25 maio 2010

A Construção da Argumentação nos Editoriais Jornalisticos


DIOGO E VICTOR - Graduandos em Letras - UPE

RESUMO

Esse artigo tem como objetivo entender, analisar e aplicar os conceitos de argumentação à produção textual jornalística, especificamente a que se processa nos editoriais midiáticos. Desta forma, nosso corpus contempla, por um lado, a interação entre texto e sociedade e também elucida, por outro, teorias e abordagens científicas acerca dos pormenores quem constroem a eloquência em cada texto. Foi-nos balizar as contribuições de Perelman, Koch, Plantin e Ribeiro. Portanto, está intrínseca a nossa pesquisa a tentativa de conscientização dos processos a que interlocutores leigos são submetidos em um primeiro contato com tais gêneros persuasivos, isto é, ter acesso à intencionalidade textual em jornais.

INTRODUÇÃO

Construir um sentido a partir de uma leitura, ao ponto de descobrir qual é a intenção passada pelo texto, é criar um elo de interação entre autor-leitor-texto (KOCH, 2008). A argumentação, nesse sentido, se dá a partir da decodificação feita pelo leitor no momento em que este tem o seu primeiro contato com o texto. É nesse instante em que serão estabelecidas as avaliações, julgamentos, criticas, isto é, todo um juízo de valor que será evidenciado pelo leitor. Todo esse processo interacional constitui o próprio ato da argumentatividade, este, crucial e muito presente em editoriais jornalísticos, devido, sobretudo, ao alto teor persuasivo pregado por esse gênero textual.



1. POR UMA ARGUMENTAÇÃO HISTÓRICA

Pode-se comparar as primeiras especulações acerca do fenômeno argumentativo aos primeiros surtos de estudos da própria linguagem, pois, embora haja entre esses fenômenos uma relação de hierarquia organizacional, em ambos há tentativa de explicar fenômenos inatos e intrínsecos ao próprio homem. Nesse sentido, assim como as capacidades biológicas e sociais que permitem ao homem a comunicação, o expoente argumentativo está atrelado mesmo à sobrevivência, seja natural ou sociológica, de cada indivíduo. Este utiliza-se desde muito cedo, por exemplo, do choro, precedente à fala, a fim de realizar vontades através de um processo que passará a aperfeiçoar ao longo de toda vida no meio social.
Desde a retórica, de Aristóteles, os estudos da argumentação têm sido produzidos e reformulados hipoteticamente, devido a fatores e necessidades sociais de cada época em que determinadas teorias foram criadas, já que a argumentação pode ser vista como produto da interação social, portanto, proveniente de processos discursivos. A partir dos estudos clássicos, como os do filósofo, o fato de argumentar era visto através da lógica, o que constituía uma técnica pedagógica usada para compreender certos saberes, valores, estudos já estabelecidos. Desta forma, essa fase é caracterizada pelo uso de um procedimento através do qual se chega a uma verdade, que seria passada a um auditório (GUIMARÃES, 1995). Entende-se aqui auditório como destinatário a quem se pretende influenciar com a argumentação. Vale ressaltar, também, o fato dessas teorias terem sido criadas em uma época em que a arte de argumentar (retórica) era de extrema importância na cidadania dos indivíduos, pois calorosos debates sobre política, filosofia e lógica eram travados cotidianamente, por exemplo, pelos gregos. No entanto, sob uma reflexão mais ampla sobre tais contribuições Collinot & Mazière afirmam que
na medida em que estavam ligados aos estudos de retórica, os estudos de argumentação estavam claramente situados no lado errado, [...] em outros termos, em algo como a explicação de texto, a imitação e amplificação, uma forma de eloquência que não estava voltada para convencer pela prova e pelo debate, mas para subjugar pelo esplendor verbal. (COLLINOT & MAZIÈRE, 1987)
Uma vez exposta a esses tipos de crítica, a visão lógica da argumentação entra em um processo deslegitimação, sobretudo no século XIX e XX. Na virada desses séculos a situação é basicamente a seguinte: a retórica está cientificamente invalida como método por ser incapaz de produzir o saber positivo, enquanto que a lógica não se define mais como arte, mas sim como um ramo da matemática. Com isso, novos estilos argumentativos surgem tendo como base o método crítico. Nessa esfera de novas contribuições estão inseridas correntes como Linguística Textual, método crítico-dialogal e até mesmo os estudos bakhtinianos.
No entanto, é no pós-1945 que os estudos de argumentação passam por um notável desenvolvimento. Com a segunda guerra mundial, a guerra fria e todos os contextos conflituosos que circundaram as concepções anteriores acerca do fenômeno argumentativo, estes foram expostos a um processo de abertura à notação da persuasão, da indução através da linguagem. Tome-se como exemplo o fato de um dos maiores líderes do nazismo alemão, Adolf Hitler, ter transformado toda ideologia de um país através do discurso. Nesse sentido, analises, releituras e críticas foram necessariamente estimuladas por tais fatores históricos. Assim, no dizer de Plantin,
esse projeto de constituição de uma nova reflexão do logos, sobre a racionalidade do discurso, com uma especificação política, por meio de um conceito autônomo de argumentação, não está assim tão longe da visão de Curtius, que vê na retórica uma das bases da cultura européia. (PLANTIN, 2008)

2. A NOVA RETÓRICA: A INTENSIFICAÇÃO DAS TESES

A Nova Retórica, segundo Perelam, é "o estudo das técnicas discursivas que visam a provocar ou a intensificar a adesão de certo auditório às teses apresentadas”. Desta forma, é uma retomada dos termos elaborados pelos Antigos filósofos:
"A Retórica, que foi elaborada pelos Antigos e à qual foram consagradas as obras de Aristóteles, Cícero e Quintiliano, é uma disciplina que, após ter sido considerada o coroamento da educação greco-romana, degenerou-se a partir século XVI, quando foi reduzida ao estudo das figuras de estilo, e depois desapareceu inteiramente dos programas de ensino secundário. Esta retórica foi definida por Aristóteles como a arte de procurar, em qualquer situação, os meios de persuasão disponíveis. Prolongando e desenvolvendo a definição de Aristóteles, diremos que seu objeto é o estudo das técnicas discursivas que visam a provocar ou aumentar a adesão das mentes às teses apresentadas a seu assentimento [...]."(PERELAM)
Seguindo, podemos afirmar que a teoria de Perelman é suportada por pilares e dogmas por ele descritos. Vejamos.
a) A retórica procura persuadir por meio do discurso. Com esse primeiro enunciado o autor nos coloca a impossibilidade de uma discussão retórica dar-se quando recorrermos à experiência para obter adesão à uma informação, portanto, não existe retórica quando o diálogo baseia-se apenas no empírico. Segundo o autor, é insuficiente a utilização da experiência para um diálogo sem um prévio acordo sobre o significado das palavras utilizadas no enunciado.
b) A demonstração e as relações da lógica formal com a retórica. Só existirá uma conclusão verdadeira, se, no processo silogístico, forem reconhecidas como verdadeiras as premissas utilizadas. A prova demonstrativa, como Perelman nos relata, é convincente e persuasiva, porém, deve-se admitir como verdadeiros os antecedentes desta.


3. A ESTRUTURA DOS EDITORIAIS

“Os editoriais são textos de um jornal em que o conteúdo expressa a opinião da empresa, da direção ou da equipe de redação, sem a obrigação de ter alguma imparcialidade ou objetividade. Geralmente, grandes jornais reservam um espaço predeterminado para os editoriais em duas ou mais colunas logo nas primeiras páginas internas. Os boxes (quadros) dos editoriais são normalmente demarcados com uma borda ou tipografia diferente para marcar claramente que aquele texto é opinativo, e não informativo. Editoriais maiores e mais analíticos são chamados de artigos de fundo (Wikipédia)”.
Assim como qualquer outro gênero, os editoriais jornalísticos, por sua vez, seguem uma estrutura que, geralmente, está respaldado em um ponto de vista e na argumentação em sua defesa. Esse tipo de texto é encontrado facilmente nas colunas dos jornais ou em revistas, veiculando um conteúdo voltado para temas e/os acontecimentos de ordem política, econômica, social e cultural. No entanto, é perceptível em alguns artigos a presença de temas ligados à vivência do autor acerca de posicionamentos pessoais. Isso vem se tornando comum, sobretudo com temas que envolvem assuntos pouco comentados pela mídia televisiva, por exemplo, os que dizem respeito às relações interpessoais nos ambientes de trabalho.
A livre divulgação de determinados textos nos editoriais jornalísticos se dá, geralmente para responder aos anseios da sociedade que, muitas vezes, busca encontrar uma resposta para as inquietações dos problemas vividos no cotidiano. Para preencher essa lacuna, o autor desse texto deve, antes de tudo, está inteirado do tema que irá defender/discutir, para levar ao leitor argumentos incontestáveis, levando esse mesmo leitor a refletir sobre o que está sendo discutido. Nessa relação, o autor imprime a sua marca individual na estruturação desse texto, no entanto, ele não está inteiramente livre para expor o seu ponto de vista, nem tampouco está aprisionado, submisso, que nada pode dizer. Existe um limite implícito que delimita a intenção desse autor na hora de construir a pauta da sua argumentação.
Essa relação paradoxal tem certo fundamento, justamente porque os textos veiculados nesses editoriais são muitas vezes, construídos com uma linguagem indireta, fazendo com que o leitor decodifique a mensagem passada pelo autor. Evidentemente na atualidade essa maneira de formular os textos midiáticos está ganhando outro viés. Muitas vezes, esses textos são bastante explícitos, carregado da pessoalidade do autor e escrito numa linguagem muito esmiuçada, favorecendo a leitura de qualquer leitor.


4. EDITORIAIS E TEOR ARGUMENTATIVO

Encontrado facilmente em jornais e revistas, os editoriais jornalísticos contribuem para a construção de debates acerca de vários temas de ordem social. Isto por que, ele é estruturado em torno de uma argumentação, capaz de levar o leitor a refletir sobre diversos assuntos, ou até mesmo, convencê-lo, dependendo do grau persuasivo empregado no texto. É esse jogo de convencimento “implícito” entre texto/leitor ao qual tentaremos analisar. Para isso, é preciso elucidar uma distinção entre duas palavras (convencer e persuadir), que comumente são associadas aos artigos midiáticos. Nas palavras de Koch
enquanto a primeira relaciona-se unicamente por meio da razão, através de raciocínio lógico e por meio de provas objetivas, atingindo um ‘auditório universal’; a outra, por sua vez, procura atingir a vontade, o sentimento do(s) interlocutor(s), utilizando argumentos plausíveis e verossímeis, dirigindo-se a um ‘auditório particular (KOCH, 2009)
Desta forma, enquanto um preocupa-se em convencer um público universal através de argumentos pautados na razão, o outro, procura atingir um leitor em potencial, dirigindo-se diretamente ao interlocutor. Ainda nesse sentido, Ribeiro vai dizer que
no texto de opinião, dá-se a partir de uma questão tematizada que gera a defesa de um posicionamento, seguida de argumentos que possam convencer o interlocutor (RIBEIRO, 2009)
Apesar dos manuais de redação continuarem a advogar a isenção como condição de legitimidade do jornalismo, difundiu-se o reconhecimento de que as notícias e reportagens são produzidas por meio da seleção e classificação dos fatos a partir de categorias intrinsecamente ideológicas, normalmente não explicitadas e freqüentemente naturalizadas.
O jornal está inserido numa realidade capitalista e como tal, a disputa do mercado das publicações não pode ser vista como um elemento fora do contexto jornalístico, assim a noticidade é uma fatia selecionada como interessantes, significativos e relevantes que mereçam ser transformados em notícias já carregados de uma ideologia constituída por aqueles grupos que detêm o controle da imprensa jornalística. O jornalismo se encontra sempre dividido entre a função de informar sobriamente os fatos e a utilização dos recursos expressivos para manter a fugidia atenção do leitor.
A informação é importante, mas também é importante a forma que a noticia é transmitida, é preciso incorporar uma trama, à semelhança de dados históricos, visto que cada vez mais o jornalismo foi abrigando no interior do seu texto recursos expressivos tomados emprestados à literatura.
Em meio a isso, cumpre salientar o teor ideológico em que se estruturam os textos jornalísticos. Diferentemente da dissertação, comumente encontrado em várias esferas da nossa sociedade, nos editorias o ato de argumentar não se limita em apenas expor posicionamentos alheios à realidade circundante. Pelo contraio, argumentar, nesse sentido, é bem mais que isso. É introduzir, muitas vezes de forma direta, a fala/opinião. O intuito incutido nesses textos é trazer a tona discussões pertinentes aos diversos temas sociais, para que o leitor possa refletir sobre o seu posicionamento, ao ponto de criar um juízo de valor sobre o que está sendo discutido. Para que isso ocorra, é preciso que o autor construa a sua argumentação pautada em verdades inabaláveis, não deixando assim, margem para uma possível dubialidade de interpretação por parte do leitor.


5. A ADJETIVAÇÃO COMO FATOR DE SUBJETIVIDADE E MANIPULAÇÃO

A adjetivação é um dos elementos modalizadores de um texto, ou seja, imprime ao que se fala ou escreve. Quando é excessiva e voltada a obtenção de efeitos retóricos, prejudica a qualidade do texto e evidencia o despreparo ou a má fé de quem escreve. Quando é feita com sobriedade e sensibilidade, contribui para a eficiência interlocutiva do texto. Nesse sentido, toda palavra que traz uma qualidade ao um sujeito trará também consigo um juízo de valor. Este, consiste em um juízo de valor é um juízo sobre a correção ou incorreção de algo, ou da utilidade de algo, baseado num ponto de vista pessoal. Como generalização, um juízo de valor pode referir-se a um julgamento baseado num conjunto particular de valores ou num sistema de valores determinado. Um significado conexo de juízo de valor é um recurso de avaliação baseado nas informações limitadas disponíveis, uma avaliação efetuada porque uma decisão deve ser tomada.



6. LIVRE DIVULGAÇÃO E A ATUAL LIBERDADE JORNALÍSTICA

A liberdade dos meios midiáticos sempre foi tema para inúmeros debates, uma vez que o livre arbítrio de alguns jornalistas na hora de publicar seus textos vem causando diversas discussões e questionamentos. Mas, até que ponto um jornalista pode expressar o seu ponto de vista num jornal? Em se tratando dos editoriais esse limite já é algo ultrapassado. Atualmente, Percebe-se que os textos são carregados de pessoalidade, muitas vezes com o intuito de manipular o leitor sobre determinado ponto de vista. Para ser mais claro, isso acontece com freqüência em temas de ordem política, já que no Brasil esse assunto sempre é foco de discussões. Geralmente o repórter não se prende apenas em narrar os escândalo e falcatruas cometidos pelos nossos governantes. Ele adiciona no texto uma carga valorativa imensa que poderá mudar todo um conceito (visão) que o leitor tem acerca de um determinado político ou partido.
Todo esse aparato persuasivo utilizado nos editoriais dificilmente é percebido pelos leitores comuns. Isto por que, sua estrutura é criada para levar ao seu interlocutor uma mensagem determinista, ao ponto de não deixar qualquer lacuna que possa desmentir o que está sendo dito. Para isso, os editores formulam seus textos com frases de efeito, geralmente frases afirmativas, elevando assim o grau argumentativo. Ainda nesse sentido, não são só temas de ordem política que os editoriais discutem, e sim muitos outros, frequentemente abordados. Entre os mais comuns estão àqueles ligados a celebridades e artistas em geral, esportistas (com ênfase para os jogadores de futebol), escândalos políticos, problemas de ordem social e etc.
A repercussão que os editoriais exerciam em seus interlocutores vai ganhar uma carga maior de juízo de valor. Isto por que, recentemente foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal a revogação de uma lei datada de 1967, que impedia que um indivíduo exercesse a profissão de jornalista sem ter ao menos uma formação universitária. Agora, qualquer pessoa pode se torna um repórter. Para isso, basta que o futuro jornalista tenha uma pequena experiência na área. Essa revolução na mídia jornalística vem sendo encarada como algo positivo. Na opinião de alguns, essa lei deveria ter sido revogada há mais tempo, já que vivemos num país democrático.
Se essa transformação será nociva ou positiva para os jornais é algo que deverá ser discutido futuramente. No momento, o que está em questão é até que ponto essa atual liberdade vai influenciar na construção do jornal como ferramenta de cunho ideológico? Ainda não se sabe os ganhos e as perdas que virão com essa renovação na lei, mas é evidente que os textos propagados pelos jornais, sobretudo os editoriais, estarão ainda mais endossados com as opiniões valorativas dos jornalistas, que agora terão maior liberdade para expor pontos de vista.

7. ANÁLISE

Conhecer os mecanismos utilizados pelos jornalistas para então compreender como se processa a argumentação nos editoriais foi o principal foco da pesquisa. A constatação de que o editorial não é um texto que surge do acaso. Ele é criado a partir de diversos temas sociais que comumente são noticiados. Saber também que o editor tem a liberdade de expor seus posicionamentos ao ponto de persuadir o leitor sobre determinado tema. Na realidade, persuadir é a intenção desse texto, e não convencer como muitos pensam.

8. CONCLUSÃO

A linguagem utilizada na estrutura dos editoriais sofreu, em linhas gerais, significativas modificações no curso da historia. A base argumentativa está mais próxima da realidade do leitor, criando assim um elo maior entre o texto e seu interlocutor. Essa interação tem moldado a cara da sociedade, na medida em que são discutidos temas que sacudam os convencionalismos e problemas que assolam a nossa sociedade. Tudo isso só foi possível porque os editoriais foram adquirindo traços peculiares do meio social, acompanhando as sucessivas transformações que ocorriam.

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