26 julho 2010

Conto: A Luz Azul - Parte 2




Autor: Mário Jr.


em que antes recebera o golpe letal. Quando dei por mim, não era canto. Era um cacarejo; e o pássaro não era um simples pássaro, era um corvo negro.


Avistei o teto com uma visão perpendicular e não pude ver mais nada, nem um só daqueles traços que determinaram e deslindaram os olhos na noite passada.


Deitado pela cama, avistei o que tinha recebido. O envio jazia em cima da escrivaninha de cor tabaco. Foi então que me pus de pé e comecei a fazer a malas. Retirei todas as camisas do armário e todas as outras peças de que necessitava para ficar uma temporada nada casa da família Buller. Eu estava decidido a tirar alguns dias para descanso – necessitava de um repouso num lugar afastado da cidade, tranqüilo e muito animador.


Após os preparativos para a saída estarem prontos, coloquei as malas para fora do quarto e voltei para pegar o endereço. Coloquei o envelope em meu bolso e caminhei em direção à escadaria da pensão, que de certa forma me aguardava descê-la. À medida que dava um passo nos degraus, ressoavam, a meu ver, um som mórbido diferente; sinceramente, eu não sabia se aquilo era aviso ou premonição. Deixei aqueles sons agonizantes ecoarem por todos os lados da pensão e prossegui levado pelo entusiasmo da partida.


À porta central da pensão, devolvi a chave do meu quarto à Madame Rosé, dizendo a ela que voltaria, mas não poderia afirmar quando. Parti sem muitas despedidas, satisfações, beijos ou outras coisas assim.


Avistei meus cavalos nos fundos da pensão. Arrei-os. Coloquei as malas no lobo dum e prossegui sobre o lombo do outro para o meu conforto. À medida que as cenas iam se passando, distanciávamo-nos cada vez mais da civilização: isolávamo-nos.Entramos numa estrada repleta de cascalhos com muitas árvores gigantescas ao nosso redor – que faziam a minha vista arder só de olhar para seus topos. Naquela hora em que a nossa passagem foi obstruída por um tronco crasso de uma árvore que parecia ser dona de duzentos anos ou mais, pude avistar a casa dos Bullers. O andar sereno e meio esquivo do cavalo que eu montava nos aproximou um pouco mais do tronco que havia ali; percebi que o lar dos Bullers não era uma casa simples, não as conheço, mas sim, uma enorme e estranha mansão, que de simples, como tinham escrito, ela não tinha nada. Evidentemente com uma visão externa daquele lugar.


Após conseguir ultrapassar aquele obstáculo que deixava nosso caminho ínvio, fui levado pelo cavalo aos pés da mansão. Estranhas sensações me vieram à minha mente; a única coisa que fiz foi deixá-las fluírem tal como o vento uivante que se iniciava naquele momento.A casa como dito, não era apenas uma mera casa, mas sim uma mansão com olhos e boca. Seus olhos lacrados instigavam o meu medo e sua boca parecia ansiar me comer. Os olhos gigantes se figuravam como as janelas e sua boca como aquela porta. Mesmo ainda, antes de entrar, fitei minuciosamente o que envolvia aquele lugar, aquela mansão. A escuridão já tinha chegado e dominava completamente o aspecto frio, sombrio e soturno daquilo que seria meu abrigo: a atmosfera era terrível.



Exatamente, de fronte à mansão, àquele lar, habitava um lago pantanoso que, com a luz da lamparina, a qual lutava com os sopros do vento, mostrava-me que sua água era literalmente composta por uma camada lodosa. Repugnei-me ao ver aquilo. Estava, eu, ainda a observar detalhadamente, som por som, coisa por coisa, quando fui tocado por uma senhora de cabelos grisalhos que pediu-me as rédeas com um único gesto que fez com sua mão esquerda; depois indicou-me a porta e não me disse absolutamente nada; deu-me as costas e saiu com os cavalos.



Observando ainda as gárgulas decepadas no topo do telhado – era o que me apresentava segundo a escuridão que dominava toda a cena – entrei naquela mansão que antes só me amedrontava, entretanto, naquela hora havia implantado o terror em mim.


No silente momento em que entrei, topei o olhar com o de Anny e Edward, sendo que cada um, em posto de anfitrião, aguardava-me com uma minúscula vela, pelas quais liberava uma luz insuficiente para iluminar suas faces, aparentemente lívidas. Abraçamo-nos fortemente; por um momento tive a impressão de sentir meu corpo com uma quentura superior aos deles; eles me pareciam estar lânguidos ou outra coisa assim. Contudo, naquela noite, isso tudo ficou apenas sob minha impressão; fui levado pela emoção que sentíamos.


Imediatamente, com sorrisos largos e falas estridentes, levaram-me para o jantar – Lady Émille aguardava-me sentada à mesa. O momento destruidor de nostalgia, não deixou que eu desse falta do dono daquela casa. Simplesmente sentei-me e esperei alguns minutos enquanto aquela senhora que me abordara lá fora, colocava sobre a mesa redonda o jantar: “Esta Roni é a nossa empregada”. Disse-me Lady Émille usando seu dedo indicador canhoto para mostrar-me a senhora que usava cabelos grisalhos e dona de uma aparência enrugada. “Seu nome é Jane. Ela não fala com ninguém. Um dia dormiu falando e acordou com afonia. Completamente muda... muda de tudo. Essa senhora ouve perfeitamente o que todos dizem e trabalha com perfeita eficiência.” Completou a Lady.


Depois que me apresentou aquela senhora, entrou na sala de jantar o Lord Roger, usando um colete de cor indecifrável, que de certa forma atraía a minha visão para junto dele. Reluzia uma luz azulada em algumas partes, como outrora tinha visto naquela tarde, naquela pensão sob aquele pesadelo.


O jantar foi fabuloso, tudo ocorrera em perfeita sintonia com os padrões normais de uma noite, de um jantar. Riamos, lembrávamos de fatos memoráveis e ao mesmo tempo, nos deliciávamos com o cadáver de leitão assado à brasa.


Após aquele jantar, Edward e eu conversávamos sobre as engenhocas que seu pai ainda ousava criar. Em meio a essa conversa, assustei-me totalmente quando vi um crânio enorme dessecado com chifres esparsos e pontudos, pendurado em cima da lareira apagada. Não deixei transparecer nada para Edward, continuei a ouvi-lo.


Percebi então, que aquele crânio era de um touro, pelo seu tamanho, muito forte. Após o término do susto, fui levado por Edward ao meu quarto; nada de estranho ou insólito me ocorrera naquela noite; apaguei a chama viva da lamparina que resplandecia parte do quarto escuro e consegui dar conta de mim só no outro dia, na outra manhã.


Quinze dias foram embora. Numa tarde resolvi andar pelos blocos da mansão à procura de Roger, que se infiltrava em sua sala de estudos praticamente todo tempo do dia, e ninguém, a não ser ele, entrava nela.


Os degraus que davam ao primeiro piso esperavam que eu os descesse. Ao tocá-los com os meus passos ouvia-se um barulho incomum. Tão incomum que os meus tímpanos chamavam-me a atenção. O ruído parecia esforçar-se a me dizer algo que possivelmente estava prestes a ocorrer. Porém, a única coisa que eu fazia era apenas decodificar mais um som onomatopéico que obviamente não me fazia compreender absolutamente nada além de alguns estranhos rangidos.


Quando pisei no solo de madeira lá embaixo, Anny gritou de maneira tão estridente que o som poderia ser ouvido a quilômetros de distância daquele local. “Acabou; se foi!” Berrou Anny com resfôlego. Imediatamente sai à procura dela pelos cômodos da mansão. Foi quando vi o Lord descer a escada rapidamente com um pavor estampado em seu rosto;

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