26 julho 2010

Conto: A Luz Azul - Parte 3



Autor: Mário Jr.

também procura por sua filha. A donzela encontrava-se abraçada com sua mãe aos prantos no quarto da criada muda. vi perplexo, a dona daquele quarto simples estendida pela cama, sobre um lençol já carcomido por traças, sem traços de vida e ser cuidadosamente examinada por Edward. “Esta oca por dentro...” Afirmou isso com profundo lamento o examinador. Naquela cena mórbida, lutuosa e digna de lugubridade, não pude entender o contexto; no entanto, não quis me arriscar a fazer qualquer tipo de pergunta. Emudeci-me e senti aquele momento fúnebre exalar-se pelas paredes do quarto e depois de toda mansão como se fosse algum tipo de odor.

Colocaram o corpo cadavérico da criada, que desde alguns dias já nos apresentava sinais de atonia, dentro dum esquife de madeira seca e sepultaram-no estranhamente dentro do porão, num buraco improvisado, sem lápide e muito menos com a inscrição de algum epitáfio.

Naquele dia, quando a noite veio, trouxe consigo uma tempestade que não se isentava de trovões e relâmpagos. Os relâmpagos faziam o meu quarto se iluminar avidamente. Foi quando tudo começou. Assisti deitado na cama, e com o olhar para o teto escuro o nascimento de um olho. Depois abrir-se e esforçar-se o máximo para poder capturar um objeto. Naquela noite percebi meu Deus, que o objeto era eu. De repente, tomado pela ausência de luminosidade no lugar, vi-me só no outro dia. Quando acordei, tudo parecia normal, se não fosse o fato de eu abrir a janela e ver que toda mansão estava tomada por uma densa neblina que a tempestade da noite passada tinha deixado como estranha recordação. Minha visão fora bloqueada por ela; não consegui enxergar nada fora da mansão. Decidi que já estava na hora de ir; ir embora daquele lugar que me amedrontava, mas por causa da neblina, minha partida era impossível naquele momento.

Ainda durante a manhã, após o café, andei pelos cômodos da casa, mas não pude farejar nada a respeito do Lord; a única coisa que pude farejar estava no porão, após descer uma outra escada agonizante acompanhado por três ou quatro ratos esqueléticos que entraram num buraco.

Analisando o local cuidadosamente, encontrei caixas de ossos. Ossos que pertencia a ratos, cães e gatos. Pouco depois observei que em meio ao concreto da parede, que já não era de madeira, existiam outros ossos: - ossos humanos! Então, estremeci-me completamente de medo.

A noite veio e nevoeiro que envolvia aquele lar não se dissipara nem um pouco; continuava ali, estacionado ao seu redor. O jantar mal dava para engolir, devido ao temor que estava impregnado em mim. As mandíbulas que me pertenciam se estremeciam. As mãos tremiam e eu parecia estar com afonia. Em meio àquele jantar, em que eu logo anunciaria minha partida, Anny começou a apresentar reações muito estranhas, e me exibia uma face totalmente pálida. A mãe, com olhos engrandecidos, e o irmão com um olhar totalmente voltado para a aquela donzela, parecia não crer no que viam; muito menos eu, que estava totalmente aflito e temido ali, perto dos três.

Anny levantou-se olhando estaticamente para mim, com seu lindo par de olhos azuis, e repentinamente começou a me dizer coisas em outra língua que era incognoscível para mim; parei de comer; o temor crescera dentro de mim exponencialmente e conseguia bloquear fortemente os movimentos dos meus maxilares tremulantes.

Na senhorita, em meio aos risos estridentes, começou a escorrer incessantemente uma saliva viscosa pelos seus frágeis lábios e que de algum modo, seja pela insanidade em que vivia ou pela extrema dor que sentia, corria repetidas vezes ao redor daquela mesa de jantar sem retirar um segundo sequer seu forte e tenebroso olhar de mim. Eu assistia aquilo tudo sem saber o que fazer ou dizer. Eu só respirava.

Gritos, gritos e mais gritos eram lançados por aquela boca. Subiam as escadas e iam trombando e ecoando-se pelos tantos corredores daquela mansão. Parecia-me que mil ou mais pessoas gritavam.

“O próximo? O próximo... Quem será? Pode ser você!?” Afirmou ferozmente a senhorita, apontando o seu débil dedo para mim e depois caiu totalmente desfalecida no chão de madeira; ainda babava, ainda sofria.

Após o seu último suspiro paulatino, eu e aquela mansão ouvimos um berro e um choro: lamentos iniciados sincronicamente – um pelo irmão, o outro pela mãe. Com passos pesados e morosos, o irmão chegou até Anny com estampando-se um profundo lamento, e retirando algo que jamais pude sonhar mesmo no mais intenso ou mais profundo devaneio que eu já tivera.

Edward retirou uma coisa tipo máscara que revestia totalmente o rosto daquela jovem, que não possuía pele, nariz e os contornos da boca, só os traços da carne viva. Sem trégua começou a chover novamente e a tempestade era muito pior do que aquela que tinha me ocorrido no dia anterior. À luz das velas, vi o rosto de Anny Buller incandescer uma luz que não o comia, o devorava. Talvez, o mais insólito momento daquela hora, que de uma forma sincrônica mãe e filho começaram a sofrer do mesmo efeito que assolara momentos antes a senhorita. Primeiro, os cabelos se despregaram do couro, depois suas faces deformaram-se até ficarem ensangüentadas e na carne viva latejante. Edward gritava, enquanto seus pés perdiam a pele que os envolviam e só pude ver novamente a carne. Lady Émille sofria tudo em silêncio. Num pequeno instante depois, vi ambos se abraçarem e caírem sem pelo e cabelo, mostrando as pontas ósseas do corpo e totalmente dominados pela aquela luz.

Instantaneamente, sai apavorado pelos quartos e blocos da mansão gritando. Encontrei a sala do cientista no andar de cima. A tempestade lá fora não cessara; aumentavam-se os trovões. O lugar em que o Lord Roger estava continha dezenas de ratos engaiolados, os quais só pude ver com auxílio de uma luz que saía dos limites de uma caixa de chumbo. Lord, concentradamente – como se nada ocorresse ao seu redor – implantava a luz nos ratos, que liberavam gritos agonizantes. Foi então que o chamei com um forte toque em seu ombro esquerdo.

“Tem algo a me dizer?” Ele me perguntava repetidas vezes com um tom insólito e seu olhar vidrado em mim. Naquela estranheza, minhas pernas ficaram frouxas, e então, caí no chão empoeirado daquela sala mórbida, consciente do que me ocorria. A perturbação que me cercava foi tamanha que, com uma voz trêmula disse com dor: - Estão mortos e desfigurados pela luz! Depois, vi com esses olhos que ainda me pertencem um horror mais aterrorizante do que tinha noticiado nos minutos que precediam aquele; o corpo do dona da casa começou a se desfigurar pela luz que ele mesmo detinha em suas mãos. E, como se não bastasse, ela derretia seus dedos, retirava sua pela da estrutura carnosa e escamava-o como se o próprio fosse peixe ou outra coisa assim. Os olhos verdes desprenderam-se do crânio, sem um triz de pele, e caíram em meu colo. Depois disso, presenciei seu corpo ser comido pela luz fulgurante azul, que perspassava seus ossos e fazia aquele homem esvair-se em sangue, o qual brotava de todos os orifícios que sua massa corporal continha. O que antes era um homem, naquela hora tempestuosa, não possuía mais braços, pernas, tronco e muito menos cabelo; só um amontoado de ossos que em meio aos trapos, era pouco a pouco carcomido por aquela estranha luz.

Fiz um movimento lépido, me levantado daquele chão fétido onde estavam os ossos em putrefação. Pus-me para fora da sala de estudos, almejando sair pela boca da mansão. Entretanto, fui tolhido pela escada agonizante que lá existia. Escapei-me dela e fui novamente surpreendido pela exatidão em que um trovão explodira no céu negro com a caída do crânio dissecado do boi no chão; seus chifres comprometeram a estrutura do lugar e o chão de madeira mostrou-me sinais de fissura, as rachaduras.

Sai da mansão. Pisei na grama lodosa e me virei de frente para o luxuoso lar dos Bulllers e ali o fitava ser comido pela enorme luz ofuscante azul que havia dominado-o completamente. O lago que era verde, já possuía outra coloração pelo fulgor da luz que o alcançava. Ainda no temporal, vi uma mansão requintada desmoronar-se com um único movimento. Corri sob a tempestade mais depressa que as minhas pernas podiam, ouvindo os sons agonizantes dos meus cavalos que haviam ficado no estábulo e simplesmente o farfalhar da floresta negra.

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