20 novembro 2011


Como um tsunami indo de encontro a terra, como um furação devastando tudo por onde passa, como a precipitação de uma tempestade sobre uma cidade, como a fúria fervilhante de um vulcão ou como as inevitáveis fricções tectônicas que dão origem aos terremotos, nada disso é suficiente para comparar os males causados pela união da discriminação e do preconceito. Diferente dos fenômenos naturais, que nem sempre são causados pela intervenção humana, eles são inerentes ao ser humano e são paulatinamente propagados com pouco ou nenhum discernimento, ocasionando uma destruição tão igual ou maior do que à revelia dos elementos da natureza. De fato, ao longo da história, ambos têm sido usados para justificar eufemicamente a morte de pessoas que, por alguma razão, não faziam parte do que era considerado padrão. Foi o que aconteceu com aqueles que foram perseguidos na inquisição, com os negros na senzala, com os Judeus nos campos de concentração e que vem se perpetuando de várias formas até os dias de hoje.

Discriminação e preconceito são duas palavras comumente conhecidas e aplicadas a várias situações do cotidiano. Elas são indissociáveis, uma vez que é comum criar um conceito antecipado sobre determinados assuntos para depois discriminá-los. Essa regra de exclusão inata do ser humano atinge diversos grupos, separando a sociedade entre os certos e os errados, os normais e os anormais, ou seja, entre os perfeitamente aceitos em detrimento ao inaceitos. Nessa bifurcação é evidente que aqueles que não fazem parte do perfil padronizado exigido pela sociedade vão pagar um preço exorbitantemente caro por ser “diferente”. Estão incluídos nesse quadro os deficientes, os homossexuais e os negros. No entanto, infelizmente os dois últimos são os que mais sofrem com a fúria da sociedade. E esse sofrimento pode ser amplificado quando o individuo além de gay for de cor negra, já que a junção de ambas concede o aumento da violência, sobretudo em países como o Brasil onde a miscigenação racial, que deveria ser acolhida, acaba sendo dividida entre os superiores, os brancos, e consequentemente os inferiores, os negros.

Mesmo com tantos avanços legais aplicados em prol de uma vida digna, com uniões homoafetivas, casamentos, reconhecimento legal de inúmeras formas, ainda não há uma preocupação em desconstruir a visão sodomita existente contra os gays em nossa sociedade. Eles continuam sendo vistos por muitos como pragas da humanidade, anomalias gênicas ou difusores de espíritos malignos e fornicadores. Tal depreciação desse grupo favorece a disseminação dos atos de violência que continuam crescendo em todo o país. Parece que o governo e a sociedade como um todo não percebeu que não basta apenas garantir os direitos básicos desse grupo, mas também é preciso que haja uma consciência revolucionária para retroceder o comportamento violento que as pessoas insistem em nutrir contra os homossexuais. Para isso, a formação educacional é primordial, pois é a única capaz de descortinar as janelas da ignorância que insistem em ficar fechadas quando o foco da discussão é o entendimento plural da sexualidade humana.

Enquanto isso, a homossexualidade vem sido vítima da diminuta mentalidade de algumas pessoas. E no encontro com o racismo ocorre uma ampliação do preconceito, que por sua vez ocasiona a difusão ainda maior da discriminação. Ser gay assumido já é um grande desafio, mas, ser gay e negro, no Brasil, é uma batalha feroz. Primeiro porque há uma aceitação maior para com aqueles de pele branca, até mesmo entre os homossexuais, seja na vida real, seja na ficção, como nas novelas onde o apelo plástico com casais gays malhados, de classe média e pele branca aparece como o ideal, um modelo a ser seguido. Segundo porque cresce os constantes crimes cometidos contra homossexuais negros pelo país a fora. Não precisa de estatísticas concretas para constatar tal premissa. Basta apenas verificar os noticiários que informam quase que diariamente as mortes de gays por todo o território nacional. Geralmente são homossexuais de baixa renda, travestis e de cor negra. Estas similaridades, no entanto, não ocorrem por acaso. Elas são fruto da irracionalidade de um povo em não aceitar duas coisas cruciais tanto para a formação cultural da nossa nação, a cor da pele, quanto para a construção da personalidade humana, a sexualidade.

Os negros, por sua vez, ainda lutam para descamar o invólucro pejorativo que a cor da sua pele causa em algumas pessoas. Eles, como se sabe, foram escravizados e serviram de matéria bruta para a realização de serviços nas grandes senzalas brasileiras. Esse período tórrido passou, mas a prática do escravismo não. Hoje eles não são acorrentados ou postos em troncos para serem açoitados, mas sofrem com a discriminação mascarada, que os segrega pela tonalidade de sua pele. Seja no emprego, nas ruas e principalmente na sexualidade, a negritude é vista lamentavelmente como instância inferior, sobretudo quando unida com a homossexualidade, já que nesse caso o preconceito ganha uma dupla concepção, racial e sexual. E mesmo sabendo que ser racista no Brasil é algo contraditório, uma vez que foi graças à cultura roubada dos negros que o nosso país enriqueceu ainda mais a sua cultura, muitos preferem esquecer tal constatação e propagar a intolerância e o desrespeito a esse e outros grupos.

Tão mortal quanto qualquer outro fenômeno natural é o encontro da homossexualidade e do racismo. Ambos são a personificação do preconceito e da discriminação, frutos da ignorância humana e da limitação do pensamento desta, que tem dizimado centenas de vidas mundo e Brasil afora. Eles representam a parte negativa da humanidade, o que na filosofia chinesa está representado em um dos dois lados do Ying Yang. Infelizmente eles não deixarão de existir, pois fazem parte da natureza do homem como um mecanismo selvagem de defesa contra tudo o que consideram como “diferente”. No entanto, com uma educação que prime pela igualdade e, sobretudo respeito, podemos semear a tolerância tão necessária para o entendimento das diferenças, sejam elas de ordem sexual, étnica, religiosa, ou quaisquer outras. Parece utópico, mas diferente das catástrofes naturais que são quase inevitáveis, nós podemos sim manter uma vida de equilíbrio entre os nossos semelhantes, basta somente que cada um se policie e busque não apenas aceitar, mas respeitar as diferenças humanas dando a elas a oportunidade de seguir seu caminho com dignidade e igualdade.

Onde Estará O Meu Amor

Maria Bethânia

Como esta noite findará
E o sol então rebrilhará
Estou pensando em você...
Onde estará o meu amor?
Será que vela como eu?
Será que chama como eu?
Será que pergunta por mim
Onde estará o meu amor?

Se a voz da noite responder
Onde estou eu, onde está você
Estamos cá dentro de nós
Sós...
Onde estará o meu amor?

Se a voz da noite silenciar
Raio de sol vai me levar
Raio de sol vai lhe trazer
Onde estará o meu amor?


Em boa parte do mundo a juventude é tida como alicerce vanguardista da sociedade. Aqui no Brasil, no entanto, ela não tem a importância equivalente ao seu papel transformador. Vista, muitas vezes, como sinônimo de irresponsabilidade, imaturidade e inconsequência, a visão da sociedade sobre esse grupo é geralmente deturpada, ora por medo das nuances desconhecidas desses jovens, ora por temer o poder que pode ser emanado da união deles. Isto porque, em vários momentos da história, quando a juventude quis alguma mudança no país, ela foi às ruas lutar e exigir seus direitos - o movimento mais famoso, que serve de exemplificação, é o dos Caras Pintadas contra o governo Collor. No entanto, atualmente, o perfil lutador juvenil está paulatinamente perdendo forças, por razões de ordem política, social e, sobretudo educacional.

Num passado não muito distante, um garoto de 16 anos jogava bola na rua, brincava com bolinhas de gude e empinava pipa. Hoje, no entanto, um menino na mesma faixa etária, ou às vezes inferior, já faz parte do mundo do crime, seja no tráfico de drogas, seja cometendo pequenos delitos como assaltos, roubos a mão armada, ou até mesmo matando. O que leva cada vez mais esses jovens para essa rota brutal é a ineficiência do poder público, no que tange a proteção dos direitos básicos como saúde, saneamento, emprego e educação. E, a grande vilã de todas, a desigualdade social, uma vez que ela é o laboratório de onde são criados as anomalias sociais que se rebelam contra esse sistema desumano do qual os nossos adolescentes são lançados.

Nesse processo, a mídia tem exercido uma grande influência na deturpação da juventude ao longo dos anos. Ao propagar um modelo de vida muitas vezes regrado a drogas, lícitas ou não; cenas de violência que incitam brigas e a propagação da brutalidade e o apelo exorbitante a sexualidade precoce, ela tem contribuído para uma transformação negativa na formação de muitos jovens. Isso acontece porque a sociedade vive um modelo capitalista de subsistência, do qual não tem como prioridade atender as necessidades cruciais, sonhos ou desejos da adolescência, mas sim, enquadrá-los na sufocante ganância do capital, criando consumidores compulsivos que se tornam alheios a mudanças pessoais e, consequentemente sociais.
 
O reflexo disso é notório no perfil da juventude atual. De um lado, jovens alienados, despreocupados com o seu papel na sociedade, não apenas como meros cidadãos estáticos, mas sim como indivíduos em processo de transição com direito a voz que pode e deve ser ecoada para então ser ouvida e ter as suas exigências, carências, desejos, pedidos e sonhos realizados. E, do outro, uma enorme parcela que não teve o direito de pensar sobre essas possibilidades, pois nasceram sobre o estigma da pobreza, rodeados pela marginalidade que, muitas vezes, está diretamente impregnada pelas drogas e pela iniciação cada vez mais cedo a uma vida sexual desinformada. A essa grupo, a mudança ainda não começou, porque simplesmente não há um olhar transformador do poder público, e até mesmo da sociedade como um todo, que possa atender as necessidades não apenas físicas, mas intelectuais e humanísticas desses jovens.
 
Trabalhos com os jovens, sem observar os lucros, visando apenas à recuperação e ressocialização deles, existem vários, com destaque à Força Jovem Brasil que com diversificadas atividades, englobam tudo para suprir as necessidades de moças e rapazes. Com diversos projetos dentro da Força Jovem como Dose + Forte (combate as drogas), Se Liga 16 (cidadania), Jovem Nota 10 (educação), Esportes e Cultura; eles ganham espaço no meio jovem, sem esquecer as oportunidades de ingressam no mercado de trabalho. Prova disto foi o evento “Driblando o Crack” realizado em todo o país nos meses de setembro e outubro, com a finalidade de prevenção sobre este mal. Entretanto, infelizmente projetos dessa magnitude não fazem parte da realidade nacional como um todo, o que é uma pena, pois o país precisa ver iniciativas como essa sendo proliferadas como uma epidemia benéfica para então ver uma significativa mudança na dura vida da juventude brasileira.
 
Enquanto a verdadeira transformação não acontece, os jovens não podem ser vistos apenas como seres rebeldes e passivos de serem ouvidos. Eles como qualquer outro grupo deve ser analisado como indivíduos dotados de capacidades suficientes para mudar a própria realidade e a da sociedade como um todo. Mas para que a voz desses jovens tenha força é preciso cobrar dos governantes a aplicação dos direitos elementares a cada ser humano, como a possibilidade de se conseguir um emprego digno, saúde, segurança e educação de qualidade. Para isso, a escola tem um papel determinante explicando a importância que a juventude possui para mudar os rumos da politica de um país, pois é essa postura que irá garantir que os sonhos dos adolescentes de hoje não fiquem apenas nas promessas eleitorais, e sim que sejam concretizados com cobranças ativas não de votos e com a vigilância constante daqueles que foram escolhidos para representar o povo. Em outras palavras, deve-se despertar na juventude de hoje a necessidade de se ter consciência e de exercer esta de forma transformacional, para assim reverter os males que acometem cada vez mais jovens Brasil afora.

Faça uma lista de grandes amigos,
quem você mais via há dez anos atrás...
Quantos você ainda vê todo dia ?
Quantos você já não encontra mais?
Faça uma lista dos sonhos que tinha...
Quantos você desistiu de sonhar?
Quantos amores jurados pra sempre...
Quantos você conseguiu preservar?
Onde você ainda se reconhece,
na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora...
Quantos mistérios que você sondava,
quantos você conseguiu entender?
Quantos defeitos sanados com o tempo,
era o melhor que havia em você?
Quantas mentiras você condenava,
quantas você teve que cometer ?
Quantas canções que você não cantava,
hoje assobia pra sobreviver ...
Quantos segredos que você guardava,
hoje são bobos ninguém quer saber ...
Quantas pessoas que você amava,
hoje acredita que amam você?

Oswaldo Montenegro

02 novembro 2011


O fenômeno da violência parece não ter fim. E ele toma proporções avassaladoras quando está aliado a outros problemas sociais como a desigualdade social, esta que leva a fome, miséria e a pobreza, ingredientes que degradam a moral humana, fazendo com que indivíduos racionais ajam como verdadeiros animais. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, isso se configura como uma moléstia social, uma vez que a desumana divisão de bens por aqui criou uma fábrica de pessoas prontas para ferir, matar ou roubar; tudo em troca de saciar as carências impostas pelo consumismo do qual o capitalismo instaurou na rotina da sociedade. Nesse jogo de vida ou morte, infelizmente não há ganhadores, mas sim um mar de perdedores banhados não só pelo sangue derramado pelos seus atos impensados, mas, sobretudo, pela vergonha de um povo que sabe de cor o significado da palavra sofrer.

Quando se fala em violência, imediatamente há a associação de crimes cometidos por assassinos que, por alguma razão, tiram de forma abrupta a vida de pessoas inocentes. Ou, ainda a visão de ladrões que, frustrados com a sua condição social, partem para a criminalidade, no intuído de retirar do outro os bens que ele tem. No entanto, o cerne dessa questão não pode ser visto apenas desse ângulo, visto que os exemplos mencionados não são a causa, mas sim a consequência de algo muito maior que pouco a pouco foi se enraizando na sociedade brasileira. Para ser mais preciso, a problemática da violência está relacionada a fatores de ordens diversas que convergem entre si e que afetam os grupos menos favorecidos de serviços básicos, mas essenciais para a existência humana, como saúde, segurança e educação. Dentre estes fatores estão à concentração de renda nas mãos de poucos, a falta de postura do governo para solucionar o problema em foco e os precários níveis educacionais existentes no país.

A vida ostensiva de alguns em detrimento de outros é a principal causa da violência no Brasil. Isto porque há uma concentração desonesta da renda por aqui que leva a uma bifurcação perigosa: de um lado um grupo que usufrui de tudo o que o dinheiro pode pagar e, do outro, a grande parcela da população que faz malabarismo para equilibrar as finanças todos os meses. Nessa balança desigual não é de se surpreender que surja uma revolta dos indivíduos que fazem parte do segundo grupo. Não que isso seja justificativa para apoiar aqueles que entram na criminalidade, mas é indiscutível que seja lenha suficiente para o fogaréu de crimes pelos quais a sociedade brasileira vem sendo incendiada. Tal fato pode ser evidenciado diariamente em várias partes da sociedade. Sejam em assaltos comuns a transeuntes ou em casas, ou até mesmo aqueles bem arquitetados como os que são feitos em bancos e os temidos e cada vez mais frequentes sequestros.

Outro causador e propagador da violência é a precária estrutura educacional do país. Mesmo com os investimentos cada vez maiores nessa área, parece que não foram suficientes para semear uma forma latente de paz que pudesse ser disseminada nas práticas sociais. Pelo contrário, a escola hoje vem se tornando uma arena de luta onde alunos brigam entre si ampliando o tão famoso “bullying”; brigam também contra os professores, que não servem mais de referencial de respeito para eles. Os professores, por sua vez, brigam com pais de alunos, com a direção do colégio, com o governo e contra a sua própria dignidade para continuarem a educar e transformar a brutal realidade dessas crianças e adolescentes. Ou seja, a escola que deveria ser um local pacificador e propagador de um conhecimento benéfico, para levar para fora dos seus muros uma fórmula eficaz para conter a violência social, está também perdendo força nessa guerra entre civilidade e sobrevivência. Parece que sobreviver se tornou o principio máximo das pessoas, mesmo que para isso elas tenham que passar por valores como respeito, dignidade, civilidade e, sobretudo humanidade.

Por trás dessa trincheira, protegidos de tudo e de todos, estão os políticos, os verdadeiros responsáveis pelo caos do qual a violência vem fazendo as suas vitimas. Eles conhecem bem todos os tormentos dos quais a população passa e detêm as soluções possíveis para ajudar a reverter às calamidades, que volta e meia, afligem os guetos mais pobres desse país. E porque não fazem nada? É simples. Eles também fazem parte do grupo minoritário que tem nas mãos as rédeas do Brasil que, em outras palavras, materializa-se em renda bruta, ou seja, dinheiro. Por isso, não é interessante mudar a realidade das camadas mais humildes da população, uma vez que isso poderia arranhar posição social que eles conseguiram a custa da ignorância do povo.

Nesse jogo de policia e ladrão, os únicos roubados, mortos e humilhados são as pessoas mais carentes. Carentes de uma educação que possibilite uma mudança significativa nas suas vidas e não esse modelo tecnicista que tem preparado pessoas para o mercado de trabalho apenas, mas não prepara pessoas para refletir sobre a vida e de como é importante mudá-la para melhor. Carentes de políticos honestos, comprometidos com a transformação social dos mais necessitados, honrando o voto, muitas vezes manipulado, de pessoas que não aguentam mais verem seus sonhos afundarem juntos com as promessas dos seus escolhidos. E, sobretudo, carentes de viverem estagnados, sem possibilidade de alcançar uma vida melhor, com melhores condições de saúde, educação, emprego e morada, elementos fundamentais para a manutenção de uma vida digna para todo e qualquer ser humano. Então, antes de tudo é preciso acabar com a violência moral que insiste em separar indivíduos da mesma espécie não pelo que são ou pelo que podem oferecer, mas pelos bens que tem ou pelo poder que exercem em determinado cargo público ou privado. É batido, mas vale a pena lembrar que somos todos iguais e, por isso merecemos nos respeitar mutuamente para enfim acabar com essas violências que continuam sendo germinadas.

Quando afirmou que, no futuro, todos teriam direito a quinze minutos de fama, Andy Warhol indicou o desejo pela fama como uma tendência da sociedade de massa. A famosa frase foi cunhada no fim da década de 1960, quando a internet só existia como uma rede acentrada ainda com objetivos militares. Hoje, a grande rede se faz presente em boa parte das atividades cotidianas, como as próprias relações interpessoais, uma "'evolução" que transformou a crítica do conhecido artista plástico em uma espécie de profecia a ser seguida. O problema, nesse caso, é que a vida virtual muitas vezes elimina a tênue fronteira entre o público e o particular.

Basta ter uma conta de e-mail ou navegar eventualmente pela internet para perceber os perigos que ela oferece. De fato, invasões de contas e crimes de diversas naturezas tornam a rotina em banda larga pouco segura, transformando informações sigilosas em conteúdo público com a mesma velocidade da comunicação em tempo real. Embora haja uma discussão acerca da correção do caso, o trabalho da organização conhecida como "Wikileaks" evidencia como nem mesmo empresas e governos, com suas redes de seguranças supostamente seguras, estão imunes a esses riscos.

Nem sempre, porém, o problema é fruto de invasões e crimes: o desejo pela exposição e pelo reconhecimento virtual tem levado a perigosos exageros na vida real. Por trás de perfis em redes sociais e de pseudônimos em chats e blogs, muitas pessoas expõem suas intimidades, com frases ou fotografias comprometedoras profissional e socialmente. Prova disso são os casos de demissões e processos causados pela publicação de conteúdos considerados inapropriados, mesmo que isso tenha sido feito em ambientes tipicamente "pessoais". Assim, trata-se de uma ilusão imaginar que a vida em bytes, revelada no interior de um quarto fechado, possa ser dissociada da vida em carne e osso, em ruas e calçadas.

Diante de um panorama complexo, repleto de variáveis, é fundamental buscar caminhos para o estabelecimento de limites entre o público e o privado na grande rede. O primeiro passo deve ser dado pelos governos, com a criação e o aprimoramento de legislações específicas e mecanismos de identificação e punição capazes de inibir crimes relacionados a invasões de privacidade e manifestações preconceituosas. Afinal, o que é sociamente ilegal e imoral na vida real também o é na internet. Na mesma perspectiva, a mídia pode divulgar - tanto no noticiário quanto em dramaturgias - os perigos da exposição na internet, de modo a sensibilizar a sociedade.

Fica claro, portanto, que são necessárias medidas urgentes para evitar uma confusão danosa entre o particular e o público na internet. Contudo, a transformação profunda deve ser feita na nova geração de crianças e adolescentes, que já nasceu e vem crescendo em um ambiente paralelamente real e virtual. Por isso, o trabalho de ONGs e, sobretudo, de escolas parece ser a solução mais eficaz. Com aulas e palestras sobre o uso seguro e socialmente adequado da internet, é possível imaginar um futuro em que menos pessoas se prejudiquem com a vida em banda larga, e mais indivíduos usem esse recurso para, por exemplo, compreender melhor a frase de Andy Warhol.

Veja aqui o exemplo de uma boa redação com base no tema da prova do Enem 2011 feita pelo professor Rafael Pinna do Colégio de A_Z

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos