29 setembro 2012


A seleta lista das grandes celebridades brasileiras perde, pouco a pouco, ilustres personalidades. No início deste ano, o Brasil se entristeceu com a partida do maior comediante que o país já teve, Chico Anysio, aos 80 anos de idade. Sua trajetória repleta de grandes personagens vai ficar marcada na mente da sociedade por muitas gerações. Mais recentemente, Hebe Camargo faleceu aos 83 anos, depois de uma privilegiada carreira de mais de seis décadas na televisão, atuando como atriz, cantora e apresentadora. No entanto, para além dos holofotes midiáticos, os quais vão, neste momento, prestar as devidas homenagens a esta artista, é necessário entender as nuances que envolvem as mortes desses dois célebres ícones da TV. Percebe-se em ambos os casos que a velhice pode ser vivida em total atividade e lucidez, por mais pejorativa que seja, para alguns, o inevitável envelhecimento.

Em muitos momentos da história da humanidade, a sabedoria estava intimamente vinculada à trajetória de vida dos anciãos, pessoas privilegiadas pelo tempo e que tiveram a oportunidade de vivenciar longos períodos de transformação da sociedade. Hoje, porém, a sabedoria dos mais velhos não é devidamente respeitada como em outrora. Ser velho nesta sociedade plastificada em cirurgias supérfluas, implantes robotizados e mutações estéticas diversas, corresponde há várias enfermidades pejorativas ditadas pela indústria cultural. Há um modelo prescrito no qual diz que viver bem é viver belo, eternamente “perfeito”, com uma aparência parnasiana, ou uma tela de um grande quadro, como se as marcas do tempo fossem cicatrizes queloides, as quais tivessem que ser rapidamente “atenuadas” para que o indivíduo faça parte desse universo opressor.

Essa limitação acaba excluindo aqueles idosos que optam por viver plenamente seus 60, 70, 80 anos ou mais, como se nessa idade não houvesse mais beleza física, nem tão pouco sexualidade. Este último, para muitos, é um dos principais preconceitos direcionados as mais velhos. Com a chegada da terceira idade, há quem pense que a vida sexual deve ser interrompida e aqueles que insistem em continuá-la são taxados de lascivos, sem vergonha, dentre outros símbolos classificatórios que tentam anular os fulgores do ato sexual nesta fase da vida. Esta ignorância é fomentada pelo desconhecimento do ser humano e das possibilidades que este pode exercer, sexualmente, ao longo dos anos. O sexo pode e deve ser sempre intenso e prazeroso em qualquer idade, basta, apenas que aja respeito pelo próprio corpo e, sobretudo a quebra de determinados tabus ancestrais que tentam enclausurar a nossa liberdade sexual.

Dai surgi um dos muitos mitos alimentados pela velhice, o da inutilidade. “O “senhor precisa descansar agora”, “ a senhora tem netos e bisnetos que precisam da sua orientação”, são algumas das muitas frases direcionadas a esse  público nesta fase da vida. Entretanto, tanto Chico quanto Hebe, entre muitos outros velhos famosos ou anônimos, há uma grande força de vontade de continuar trabalhando, produzindo, sendo útil, para essa sociedade inutilizada, onde tudo é rapidamente descartável, sem chance de reciclagem; onde o ser humano é consumido como um “fast food”. Prova disso são os inúmeros levantamentos feitos por entidades públicas informando que a população está vivendo mais e a receita da longevidade está numa vida saudável, mas também numa vida em atividade, na qual muitos idosos exercem diversas funções com lucidez e inegável primazia.

Apesar disso, os obstáculos que os idosos enfrentam para gozar da sua longevidade são incontáveis. No Brasil ainda não há uma cultura que dê o devido valor a esse importante grupo. São hospitais e postos de saúde despreparados para atender esses grupos. As ruas não dispõem de uma segurança para esses transeuntes, que precisam ter cuidados redobrados para não escorregarem e caírem em buracos e outros empecilhos existentes. E, o pior de todos, não há uma educação focada no respeito ao envelhecimento. Percebe-se isso em vários momentos do cotidiano, como em sinais de trânsito, dentro dos ônibus, em filas diversas, momentos que o desrespeito com o idoso, lamentavelmente, imperam. Há, na verdade, a amputação dos prazeres, a autodestruição da vida, como se a velhice aniquilasse o humano, preparando-o para a inevitável morte.

Infelizmente, esse pensamento continua sendo nutrido e perpetuado por muitos. Assumir a velhice é, portanto, assinar o contrato de falência, algo que paulatinamente vem sendo desconstruído. A morte de Chico e de Hebe são a prova disso. Ambos tiveram grandes carreiras, muitos amores e inúmeras conquistas até o fim da vida. Fora do âmbito artístico, muitas senhoras e senhores não ficam estagnados ao tempo ou as pressões sociais. Muitos estão vivos, trabalhando em novos projetos, criando significativas coisas para a posteridade. Além disso, alguns idosos se arriscam, enfrentando diversos preconceitos na busca de um novo amor, já que a idade avançada não limita os sentimentos ou as vontades mais íntimas. Pelo contrário, a experiência é um dos grandes requisitos para que grandes romances surjam, vinguem e sejam duradouros.

Por isso, a velhice não pode ser encarada como o fim, nem tão pouco deve ser ignorada como se a vida fosse uma eterna “terra do nunca”. A beleza de estar vivo é a capacidade de renovação ofertada pela nossa natureza. Nascemos, crescemos, às vezes, nos reproduzimos e, por fim, morremos. Esse ciclo natural imutável é lindo e pode ser vivido em plenitude se cada indivíduo permitir que isso aconteça. Da mesma forma que há beleza na infância, na adolescência e na idade adulta, há também na velhice. Isso se estende também para temas ligados a sexo, sexualidade, autoestima, trabalho e autonomia. Logo, negar o direito de viver a velhice em plenitude é estratificar uma sábia fase de vida, na qual muito pode ser aproveitado. A sociedade deve desnudar-se das máscaras da jovialidade estética, da moral ortodoxa e da inútil busca pela perfeição física e encontrar outros valores importantes que só são adquiridos com o tempo. Ser jovem não é apenas um estado momentâneo, mas sim uma eterna construção do espírito.

Linda demais

Roupa Nova


Linda!
Só você me fascina
Te desejo muito além do prazer
Vista meu futuro em teu corpo
E me ama como eu amo você...


Vem!
Fazer diferente
O que mais ninguém faz
Faz parte de mim
Me inventa outra vez
Vem!
Conquistar meu mundo
Dividir o que é seu
Mil beijos de amor
Em muitos lençóis
Só eu e você...


Linda!
Conte a mim teu segredo
Pro meu sonho
Diga quem é você
Livre!
Nunca mais tenha medo
Pois quem ama
Tudo pode vencer...


Vem!
Fazer diferente
O que mais ninguém faz
Faz parte de mim
Me inventa outra vez...
Vem!
Conquistar meu mundo
Dividir o que é seu
Mil beijos de amor
Em muitos lençóis
Só eu e você...

Oh! Oh! Oh! Linda!

Vem!
Fazer diferente
O que mais ninguém faz
Faz parte de mim
Me inventa outra vez
Vem!
Conquistar meu mundo
Dividir o que é seu
Mil beijos de amor
Em muitos lençóis
Só eu e você...


Eh! Eh! Linda!
Só você me fascina
Te desejo muito além do prazer
Oh! Oh! Oh!
Vista!
Meu futuro em teu corpo
E me ama como eu amo você...
Você
Oh! Oh! Oh! Linda!


Engrenar em um esporte, além de ser uma prática saudável, pode solucionar problemas sociais livrando jovens das drogas ou até mesmo aumentando a renda das família pobres. Mas, algumas práticas esportivas como o MMA acabam propagando e banalizando a violência, um grande problema do Brasil.

Jovens atraídos pelo sucesso e pelo o estilo de vida dos lutadores mostrado pela mídia acabam se dedicando a esse tipo de luta. Acontece que nem todos conseguem distinguir o que é violência e o que é esporte. E assim passam a resolver todos os seus problemas com pancadarias dentro e fora do octódromo.

A mídia que deveria ser a primeira a denunciar esse tipo de movimento abriu espaço para o MMA levando jovens  a acreditarem que se dedicar a essa modalidade fará dele uma pessoa respeitada, importante e rica. Na realidade mesmo que ele consiga dinheiro e fama não passará de alguém indo contra a evolução da nossa espécie voltando a ser o primata, o homem das cavernas.

Ainda há pessoas que lotam o octódromo para ver essa pancadaria. Incentivam o lutador a bater em seu adversário e vibram a cada golpe bem efetuado. Desse modo, cada vez mais aqueles que gostam do MMA acham que agir como um animal selvagem dentro da nossa sociedade é algo normal e lindo.

Portanto, a violência do MMA é o retrato da regressão humana onde as pessoas além de se igualarem com os bichos ainda enxergam isso como algo natural e banal. E devido ao poder da mídia, a tendência dos jovens praticarem essa pancadaria é enorme. Com isso, se nota que a idade da pedra lascada perdura no pensamento e no comportamento de muitos.

Aluno: Karla Larissa de Lima
Prof. Diogo Didier


Um fiasco, pela ausência de muitas representações governamentais, como por exemplo, a ausência do presidente americano Barac Obama, chefe de estado de uma das maiores potencias mundiais.
Um fiasco,  porque as nações mais ricas do mundo, não assumiram responsabilidades financeiras sobre o que foi acordado no texto sobre a economia verde.
Um fiasco, porque os governantes não contribuiram em nada para que houvesse mudanças no texto produzido pelos diplomatas nas rodadas iniciais.
Um fiasco, pelas críticas veladas feitas pelos governantes de países pobres, em especial os do cone sul , do continente africano e asiáticos, em relação ao não comprometimento dos países mais ricos com a questão da economia verde e da preservação ambiental.
Um fiasco, porque transformaram a Rio +20 numa oportunidades de negócios bilaterais entre os países mais ricos e emergentes.
Um fiasco, um deboche, um circo, uma enganação, que prova inegavelmente, que as nações mais ricas não estão preocupadas com futuro da terra; estão preocupadas com suas economias, suas políticas de desenvolvimento, deixando de lado a preservação do meio ambiente, a pobreza que assolapa países africanos, sul-americanos e asiáticos.
Do ponto de vista político e econômico,  a Rio +20 foi um sucesso. Um sucesso para que acordos de comércio pudessem ser fechados.
De acordo com as declarações emitidas pelo Secretário Geral da ONU, o texto produzido pelos diplomatas, que ficou aquém  dos objetivos da Rio +20, será aprovado e mantido até a próxima conferência das nações sobre meio ambiente.
A economia verde ficou para novos debates e encontros de chefes de governo. Cada país individualmente que continue trabalhando para reduzir a emissão de gases poluentes, continue a produzir energias limpas, reduza a pobreza e adote medidas de preservação da natureza.
A Rio +20 não passou de um forma de promover  internacionalmente o Brasil e a cidade do Rio de Janeiro, como sede dos jogos da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
A Rio +20 serviu como atrativo internacional para aquecer a economia do Rio de Janeiro, e atrair investimentos internacionais para o Brasil.
A Rio +20 foi uma vergonha quando o assunto foi a economia verde, desenvolvimento sustentável sem agressão à natureza.
Enquanto os Europeus estavam preocupados com a UEFA EURO 2012, pouco mais de 94 países compareceram a Conferência da Rio +20, um número muito abaixo da presença na Eco 92.
Quem realmente ganhou com a Rio +20, foi a “nota verde” – O dólar – que esteve presente nas negociações bilaterais mantidas pelos chefes de governo.
Parece que a reunião da cúpula dos 40 países ricos e emergentes realizada no México em meio ao andamento da Rio +20, ganhou da Rio +20. Os países decidiram ajudar financeiramente os países mais pobres, contribuindo com a criação de um fundo internacional de combate a pobreza, e o Brasil já autorizou a liberação e doação de 40 milhões de dólares.
O fiasco da Rio +20 serviu como um alerta, para que as nações sejam mais agressivas e ambiciosas na construção de uma carta para preservação da natureza, e as nações mais ricas assumam financeiramente os gastos com essa preservação.
A Rio +20 deixou claro que, se fala muito sobre desenvolvimento sustentável, mas pouco se fez desde o tratado de Kioto e a Eco 92.
Esperamos que nas próximas rodadas de discussões entre os chefes de governo, que estarão ocorrendo ao longo dos anos seguintes, possam resultar em um texto final, onde todos assumam responsabilidades com a preservação do meio ambiente. Mas parece que as nações mais ricas do mundo, não estão mobilizadas em mexer em seus orçamentos e investir  no assunto.
Será que realmente chegarão a um acordo que seja bom para todos os povos?
Texto do Vieira

Vieira/G1



A verdade é que não havia mais ninguém em volta. Meses depois, não no começo, um deles diria que a repartição era como "um deserto de almas". O outro concordou sorrindo, orgulhoso, sabendo-se excluído. E longamente, entre cervejas, trocaram então ácidos comentários sobre as mulheres mal-amadas e vorazes, os papos de futebol, amigo secreto, lista de presente, bookmaker, bicho, endereço de cartomante, clips no relógio de ponto, vezenquando salgadinhos no fim do expediente, champanha nacional em copo de plástico. Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra — talvez por isso, quem sabe? Mas nenhum se perguntou.

Não chegaram a usar palavras como "especial", "diferente" ou qualquer coisa assim. Apesar de, sem efusões, terem se reconhecido no primeiro segundo do primeiro minuto. Acontece porém que não tinham preparo algum para dar nome às emoções, nem mesmo para tentar entendê-las. Não que fossem muito jovens, incultos demais ou mesmo um pouco burros. Raul tinha um ano mais que trinta; Saul, um menos. Mas as diferenças entre eles não se limitavam a esse tempo, a essas letras. Raul vinha de um casamento fracassado, três anos e nenhum filho. Saul, de um noivado tão interminável que terminara um dia, e um curso frustrado de Arquitetura. Talvez por isso, desenhava. Só rostos, com enormes olhos sem íris nem pupilas. Raul ouvia música e, às vezes, de porre, pegava o violão e cantava, principalmente velhos boleros em espanhol. E cinema, os dois gostavam.

Passaram no mesmo concurso para a mesma firma, mas não se encontraram durante os testes. Foram apresentados no primeiro dia de trabalho de cada um. Disseram prazer, Raul, prazer, Saul, depois como é mesmo o seu nome? sorrindo divertidos da coincidência. Mas discretos, porque eram novos na firma e a gente, afinal, nunca sabe onde está pisando. Tentaram afastar-se quase imediatamente, deliberando limitarem-se a um cotidiano oi, tudo bem ou, no máximo, às sextas, um cordial bom fim de semana, então. Mas desde o princípio alguma coisa — fados, astros, sinas, quem saberá? conspirava contra (ou a favor, por que não?) aqueles dois.

Suas mesas ficavam lado a lado. Nove horas diárias, com intervalo de uma para o almoço. E perdidos no meio daquilo que Raul (ou teria sido Saul?) chamaria, meses depois, exatamente de "um deserto de almas", para não sentirem tanto frio, tanta sede, ou simplesmente por serem humanos, sem querer justificá-los — ou, ao contrário, justificando-os plena e profundamente, enfim: que mais restava àqueles dois senão, pouco a pouco, se aproximarem, se conhecerem, se misturarem? Pois foi o que aconteceu. Tão lentamente que mal perceberam.

II

Eram dois moços sozinhos. Raul tinha vindo do norte, Saul tinha vindo do sul. Naquela cidade, todos vinham do norte, do sul, do centro, do leste — e com isso quero dizer que esse detalhe não os tornaria especialmente diferentes. Mas no deserto em volta, todos os outros tinham referenciais, uma mulher, um tio, uma mãe, um amante. Eles não tinham ninguém naquela cidade — de certa forma, também em nenhuma outra —, a não ser a si próprios. Diria também que não tinham nada, mas não seria inteiramente verdadeiro.

Além do violão, Raul tinha um telefone alugado, um toca-discos com rádio e um sabiá na gaiola, chamado Carlos Gardel. Saul, uma televisão colorida com imagem fantasma, cadernos de desenho, vidros de tinta nanquim e um livro com reproduções de Van Gogh. Na parede do quarto de pensão, uma outra reprodução de Van Gogh: aquele quarto com a cadeira de palhinha parecendo torta, a cama estreita, as tábuas do assoalho, colocado na parede em frente à cama. Deitado, Saul tinha às vezes a impressão de que o quadro era um espelho refletindo, quase fotograficamente, o próprio quarto, ausente apenas ele mesmo. Quase sempre, era nessas ocasiões que desenhava.

Eram dois moços bonitos também, todos achavam. As mulheres da repartição, casadas, solteiras, ficaram nervosas quando eles surgiram, tão altos e altivos, comentou, olhos arregalados, uma das secretárias. Ao contrário dos outros homens, alguns até mais jovens, nenhum tinha barriga ou aquela postura desalentada de quem carimba ou datilografa papéis oito horas por dia.

Moreno de barba forte azulando o rosto, Raul era um pouco mais definido, com sua voz de baixo profundo, tão adequada aos boleros amargos que gostava de cantar. Tinham a mesma altura, o mesmo porte, mas Saul parecia um pouco menor, mais frágil, talvez pelos cabelos claros, cheios de caracóis miúdos, olhos assustadiços, azul desmaiado. Eram bonitos juntos, diziam as moças. Um doce de olhar. Sem terem exatamente consciência disso, quando juntos os dois aprumavam ainda mais o porte e, por assim dizer, quase cintilavam, o bonito de dentro de um estimulando o bonito de fora do outro, e vice-versa. Como se houvesse entre aqueles dois, uma estranha e secreta harmonia.

III

Cruzavam-se, silenciosos mas cordiais, junto à garrafa térmica do cafezinho, comentando o tempo ou a chatice do trabalho, depois voltavam às suas mesas. Muito de vez em quando, um pedia um cigarro ao outro, e quase sempre trocavam frases como tanta vontade de parar, mas nunca tentei, ou já tentei tanto, agora desisti. Durou tempo, aquilo. E teria durado muito mais, porque serem assim fechados, quase remotos, era um jeito que traziam de longe. Do norte, do sul.

Até um dia em que Saul chegou atrasado e, respondendo a um vago que que houve, contou que tinha ficado até tarde assistindo a um velho filme na televisão. Por educação, ou cumprindo um ritual, ou apenas para que o outro não se sentisse mal chegando quase às onze, apressado, barba por fazer, Raul deteve os dedos sobre o teclado da máquina e perguntoü: que filme? Infâmia, Saul contou baixo, Audrey Hepburn, Shirley MacLayne, um filme muito antigo, ninguém conhece. Raul olhou-o devagar, e mais atento, como ninguém conhece? eu conheço e gosto muito. Abalado, convidou Saul para um café e, no que restava daquela manhã muito fria de junho, o prédio feio mais que nunca parecendo uma prisão ou uma clínica psiquiátrica, falaram sem parar sobre o filme.

Outros filmes viriam, nos dias seguintes, e tão naturalmente como se de alguma forma fosse inevitável, também vieram histórias pessoais, passados, alguns sonhos, pequenas esperança e sobretudo queixas. Daquela firma, daquela vida, daquele nó, confessaram uma tarde cinza de sexta, apertado no fundo do peito. Durante aquele fim de semana obscuramente desejaram, pela primeira vez, um em sua quitinete, outro na pensão, que o sábado e o domingo caminhassem depressa para dobrar a curva da meia-noite e novamente desaguar na manhã de segunda-feira quando, outra vez, se encontrariam para: um café. Assim foi, e contaram um que tinha bebido além da conta, outro que dormira quase o tempo todo. De muitas coisas falaram aqueles dois nessa manhã, menos da falta que sequer sabiam claramente ter sentido.

Atentas, as moças em volta providenciavam esticadas aos bares depois do expediente, gafieiras, discotecas, festinhas na casa de uma, na casa de outra. A princípio esquivos, acabaram cedendo, mas quase sempre enfiavam-se pelos cantos e sacadas para contar suas histórias intermináveis. Uma noite, Raul pegou o violão e cantou Tú Me Acostumbraste. Nessa mesma festa, Saul bebeu demais e vomitou no banheiro. No caminho até os táxis separados, Raul falou pela primeira vez no casamento desfeito. Passo incerto, Saul contou do noivado antigo. E concordaram, bêbados, que estavam ambos cansados de todas as mulheres do mundo, suas tramas complicadas, suas exigências mesquinhas. Que gostavam de estar assim, agora, sós, donos de suas próprias vidas. Embora, isso não disseram, não soubessem o que fazer com elas.

Dia seguinte, de ressaca, Saul não foi trabalhar nem telefonou. Inquieto, Raul vagou o dia inteiro pelos corredores subitamente desertos, gelados, cantando baixinho Tú Me Acostumbraste, entre inúmeros cafés e meio maço de cigarros a mais que o habitual.

IV

Os fins de semana tornaram-se tão longos que um dia, no meio de um papo qualquer, Raul deu a Saul o número de seu telefone, alguma coisa que você precisar, se ficar doente, a gente nunca sabe. Domingo depois do almoço, Saul telefonou só para saber o que o outro estava fazendo, e visitou-o, e jantaram juntos a comidinha mineira que a empregada deixara pronta sábado. Foi dessa vez que, ácidos e unidos, falaram no tal deserto, nas tais almas. Há quase seis meses se conheciam. Saul deu-se bem com Carlos Gardel, que ensaiou um canto tímido ao cair da noite. Mas quem cantou foi Raul: Perfídia,La Barca e, a pedido de Saul, outra vez, duas vezes, Tú Me Acostumbraste. Saul gostava principalmente daquele pedacinho assim sutil llegaste a mí como una tentación llenando de inquietud mi corazón. Jogaram algumas partidas de buraco e, por volta das nove, Saul se foi.

Na segunda, não trocaram uma palavra sobre o dia anterior. Mas falaram mais que nunca, e muitas vezes foram ao café. As moças em volta espiavam, às vezes cochichando sem que eles percebessem. Nessa semana, pela primeira vez almoçaram juntos na pensão de Saul, que quis subir ao quarto para mostrar os desenhos, visitas proibidas à noite, mas faltavam cinco para as duas e o relógio de ponto era implacável. Saíam e voltavam juntos, desde então, geralmente muito alegres. Pouco tempo depois, com pretexto de assistir a Vagas Estrelas da Ursa na televisão de Saul, Raul entrou escondido na pensão, uma garrafa de conhaque no bolso interno do paletó. Sentados no chão, costas apoiadas na cama estreita, quase não prestaram atenção no filme. Não paravam de falar. Cantarolando Io Che Non Vivo, Raul viu os desenhos, olhando longamente a reprodução de Van Gogh, depois perguntou como Saul conseguia viver naquele quartinho tão pequeno. Parecia sinceramente preocupado. Não é triste? perguntou. Saul sorriu forte: a gente acostuma.

Aos domingos, agora, Saul sempre telefonava. E vinha. Almoçavam ou jantavam, bebiam, fumavam, falavam o tempo todo. Enquanto Raul cantava — vezenquando El Día Que Me Quieras, vezenquando Noche de Ronda —, Saul fazia carinhos lentos na cabecinha de Carlos Gardel, pousado no seu dedo indicador. Às vezes olhavam-se. E sempre sorriam. Uma noite, porque chovia, Saul acabou dormindo no sofá. Dia seguinte, chegaram juntos à repartição, cabelos molhados do chuveiro. As moças não falaram com eles. Os funcionários barrigudos e desalentados trocaram alguns olhares que os dois não saberiam compreender, se percebessem. Mas nada perceberam, nem os olhares nem duas ou três piadas. Quando faltavam dez minutos para as seis, saíram juntos, altos e altivos, para assistir ao último filme de Jane Fonda.

V

Quando começava a primavera, Saul fez aniversário. Porque achava seu amigo muito solitário, ou por outra razão assim, Raul deu a ele a gaiola com Carlos Gardel. No começo do verão, foi a vez de Raul fazer aniversário. E porque estava sem dinheiro, porque seu amigo não tinha nada nas paredes da quitinete, Saul deu a ele a reprodução de Van Gogh. Mas entre esses dois aniversários, aconteceu alguma coisa.

No norte, quando começava dezembro, a mãe de Raul morreu e ele precisou passar uma semana fora. Desorientado, Saul vagava pelos corredores da firma esperando um telefonema que não vinha, tentando em vão concentrar-se nos despachos, processos, protocolos. Á noite, em seu quarto, ligava a televisão gastando tempo em novelas vadias ou desenhando olhos cada vez mais enormes, enquanto acariciava Carlos Gardel. Bebeu bastante, nessa semana. E teve um sonho: caminhava entre as pessoas da repartição, todas de preto, acusadoras. À exceção de Raul, todo de branco, abrindo os braços para ele. Abraçados fortemente, e tão próximos que um podia sentir o cheiro do outro. Acordou pensando mas ele é que devia estar de luto.

Raul voltou sem luto. Numa sexta de tardezinha, telefonou para a repartição pedindo a Saul que fosse vê-lo. A voz de baixo profundo parecia ainda mais baixa, mais profunda. Saul foi. Raul tinha deixado a barba crescer. Estranhamente, ao invés de parecer mais velho ou mais duro, tinha um rosto quase de menino. Beberam muito nessa noite. Raul falou longamente da mãe — eu podia ter sido mais legal com ela, disse, e não cantou. Quando Saul estava indo embora, começou a chorar. Sem saber ao certo o que fazia, Saul estendeu a mão e, quando percebeu, seus dedos tinham tocado a barba crescida de Raul. Sem tempo para compreenderem, abraçaram-se fortemente. E tão próximos que um podia sentir o cheiro do outro: o de Raul, flor murcha, gaveta fechada; o de Saul, colônia de barba, talco. Durou muito tempo. A mão de Saul tocava a barba de Raul, que passava os dedos pelos caracóis miúdos do cabelo do outro. Não diziam nada. No silêncio era possível ouvir uma torneira pingando longe. Tanto tempo durou que, quando Saul levou a mão ao cinzeiro, o cigarro era apenas uma longa cinza que ele esmagou sem compreender.

Afastaram-se, então. Raul disse qualquer coisa como eu não tenho mais ninguém no mundo, e Saul outra coisa qualquer como você tem a mim agora, e para sempre. Usavam palavras grandes — ninguém, mundo, sempre — e apertavam-se as duas mãos ao mesmo tempo, olhando-se nos olhos injetados de fumo e álcool. Embora fosse sexta e não precisassem ir à repartição na manhã seguinte, Saul despediu-se. Caminhou durante horas pelas ruas desertas, cheias apenas de gatos e putas. Em casa; acariciou Carlos Gardel até que os dois dormissem. Mas um pouco antes, sem saber por quê, começou a chorar sentindo-se só e pobre e feio e infeliz e confuso e abandonado e bêbado e triste, triste, triste. Pensou em ligar para Raul, mas não tinha fichas e era muito tarde.

Depois, chegou o Natal, o Ano-Novo que passaram juntos, recusando convites dos colegas de repartição. Raul deu a Saul uma reprodução do Nascimento de Vênus, que ele colocou na parede exatamente onde estivera o quarto de Van Gogh. Saul deu a Raul um disco chamado Os Grandes Sucessos de Dalva de Oliveira. O que mais ouviram foi Nossas Vidas, prestando atenção no pedacinho que dizia até nossos beijos parecem beijos de quem nunca amou.

Foi na noite de trinta e um, aberta a champanhe na quitinete de Raul, que Saul ergueu a taça e brindou à nossa amizade que nunca nunca vai terminar. Beberam até quase cair. Na hora de deitar, trocando a roupa no banheiro, muito bêbado, Saul falou que ia dormir nu. Raul olhou para ele e disse você tem um corpo bonito. Você também, disse Saul, e baixou os olhos. Deitaram ambos nus, um na cama atrás do guarda-roupa, outro no sofá. Quase a noite inteira, um conseguia ver a brasa acesa do cigarro do outro, furando o escuro feito um demônio de olhos incendiados. Pela manhã, Saul foi embora sem se despedir para que Raul não percebesse suas fundas olheiras.

Quando janeiro começou, quase na época de tirarem férias — e tinham planejado, juntos, quem sabe Parati, Ouro Preto, Porto Seguro — ficaram surpresos naquela manhã em que o chefe de seção os chamou, perto do meio-dia. Fazia muito calor. Suarento, o chefe foi direto ao assunto. Tinha recebido algumas cartas anônimas. Recusou-se a mostrá-las. Pálidos, ouviram expressões como "relação anormal e ostensiva", "desavergonhada aberração", "comportamento doentio", "psicologia deformada", sempre assinadas por Um Atento Guardião da Moral. Saul baixou os olhos desmaiados, mas Raul colocou-se em pé. Parecia muito alto quando, com uma das mãos apoiadas no ombro do amigo e a outra erguendo-se atrevida no ar, conseguiu ainda dizer a palavra nunca, antes que o chefe, entre coisas como a-reputação-de-nossa-firma, declarasse frio: os senhores estão despedidos.

Esvaziaram lentamente cada um a sua gaveta, a sala deserta na hora do almoço, sem se olharem nos olhos. O sol de verão escaldava o tampo de metal das mesas. Raul guardou no grande envelope pardo um par de olhos enormes, sem íris nem pupilas, presente de Saul, que guardou no seu grande envelope pardo, com algumas manchas de café, a letra de Tú Me Acostumbraste, escrita à mão por Raul numa tarde qualquer de agosto. Desceram juntos pelo elevador, em silêncio.

Mas quando saíram pela porta daquele prédio grande e antigo, parecido com uma clínica ou uma penitenciária, vistos de cima pelos colegas todos postos na janela, a camisa branca de um, a azul do outro, estavam ainda mais altos e mais altivos. Demoraram alguns minutos na frente do edifício. Depois apanharam o mesmo táxi, Raul abrindo a porta para que Saul entrasse. Ai-ai, alguém gritou da janela. Mas eles não ouviram. O táxi já tinha dobrado a esquina.

Pelas tardes poeirentas daquele resto de janeiro, quando o sol parecia a gema de um enorme ovo frito no azul sem nuvens no céu, ninguém mais conseguiu trabalhar em paz na repartição. Quase todos ali dentro tinham a nítida sensação de que seriam infelizes para sempre. E foram.

16 setembro 2012



A homofobia continua a ceifar vidas pelo Brasil afora. Isto porque gays de todos os tipos são inumeravelmente assassinados e pouco é feito para que a bestialidade de tais atos seja contida. Dessa vez, a mais nova vítima da brutalidade humana foi à travesti Lorena Layalla. Pernambucana, morava em Recife e era bem conhecida no rol das travestis tanto pela sua simpatia quanto pela sua incontestável beleza. Ela foi encontrada morta com dois tiros à queima roupa, nas bermas de uma estrada. Este crime chocou todos que a conheciam. Porém, para além do emocionalmente choque que a morte dela causou em todos aqueles que convivam com Lorena, deve-se pontuar que esta barbaridade só ratifica a selvageria da sociedade contra a camada LGBT.

Deste grupo todos sofrem preconceitos, desde o homossexual másculo ou feminilizado, até as lésbicas de perfis semelhantes. No entanto, quando o foco são as travestis, a potencialização dos atos homofóbicos são bem maiores e as razões que justificam isso, ou pelo menos tentam, não são tão difíceis de serem percebidas. O perfil transgressor da travesti, com seu corpo moldurado em hormônios e silicones, representa uma possível afronta ao ideário feminino. Por esta atitude, a priori, elas causam tanto estranhamento e repulsa nas pessoas e até mesmo entre muitos homossexuais que não conseguem, muitas vezes, manter uma relação amigável com elas.

Outro ponto importante nesta discussão é o incontestável caminho herdado por muitas travestis pela sociedade, o da prostituição. Isto porque elas não são, de fato e de direito, prostitutas, mas sim prostituídas por uma sociedade hipócrita que enclausura suas fantasias sexuais, procurando externá-las em prostíbulos, ruas, avenidas e pontos de comercialização sexual diversos, onde as travestis reinam servindo de objetos para saciar a vontade daqueles que não têm coragem de revelar os seus reais desejos. Acuadas, sem espaço nem respeito, poucas são aquelas que conseguem escapar dessa sina, conseguindo um espaço digno na sociedade. Lamentavelmente, o destino das travestis atuais, e daquelas que irão surgir, é o da prostituição arriscada, na qual elas são fatalmente agredidas e, quando não, assassinadas por clientes insatisfeitos ou por os ditos homofóbicos, pessoas geralmente conturbadas e sem uma identidade sexual formada, que preferem exterminar suas inseguranças ferindo o outrem.

Tudo isso é potencializado pela nossa frágil educação sexual. Desde cedo somos educados aos ditames relacionados ao gênero feminino e o masculino. Essa polarização da sexualidade humana acaba de certa forma engessando a mente de crianças e jovens que não aprendem desde cedo que há uma ampla gama de gêneros, os quais devem ser vistos, compreendidos e respeitados por todos. Por isso que as travestis não são, ainda, aceitas. Não se ensina nas escolas que elas são pessoas normais como às outras, bem como todos os outros que compõe o núcleo LGBT. Devido a essa lacuna, crianças se tornam jovens ariscos e fechados a uma discussão mais profunda sobre sexo, sexualidade e identidade de gênero, virando, possivelmente adultos homofóbicos que irão tratar com desdém, repulsa, ou pior, com violência os homossexuais.

O fim de Lorena é a prova viva disso. Por mais que ajam inúmeras especulações sobre o caso dela, na verdade, ela foi vítima da intolerância, da demasiada limitação que a nossa sociedade ainda tem sobre a homossexualidade, a qual é nutrida por gerações, ora por uma educação amplamente sexista disseminada pela religião, ora pela ausência de um plano educacional voltado para construção de um debate escolar de inclusão, no qual a temática gay seria discutida de forma natural, para que as crianças crescessem respeitando a pluralidade humana. Lorena foi um dos incontáveis casos que ocorrem pelo país e que, infelizmente sucumbem ao ostracismo da nossa legislação, a qual ainda não fez algo concreto para impedir que mais e mais “Lorenas” sejam mortas por aí e tenham seus crimes insolucionáveis.

Por causa desse descaso, mais assassinos homofóbicos, covardes e desumanos se proliferam pela sociedade, vivendo clandestinamente a glória de não serem pegos. Na verdade, esses predadores, para muitos, agem como exterminadores, como se a homossexualidade fosse uma praga que tivesse que ser contida. Aniquilando vidas de pessoas honestas, esses monstros contam com o despreparo das delegacias e de leis que criminalizem seus atos. Além da satisfação pública de pessoas que compartilham da ideia de que a homossexualidade é algo demoníaco e antinatural, portanto, passível de controle e “cura”, como se a sexualidade admitisse escolhas ou crenças controversas. Daí percebe-se que o que matou Lorena não foi simplesmente um “ser humano” que, de posse de uma arma, resolveu encurtar a história dessa travesti, mas sim da sociedade como um todo que finge aceitar a homossexualidade, quando na verdade ela pouco está preocupada com as questões vividas pela camada LGBT.

Lorena nos deixou. Foi obrigada a nos deixar. Entretanto não há um vazio na sua partida, mas sim a busca por um preenchimento que deverá ser feito pela justiça, a qual precisa acordar, o quanto antes, para esse crime e tomar medidas drásticas para proteger as travestis, e os gays em geral, da fúria dessa sociedade encarcerada em tabus ancestrais sobre a própria sexualidade. As lágrimas de dor que escorrem dos rostos de amigos e familiares deverão ser compartilhadas por todos aqueles que se compadecerem com este crime, pois não foi à morte de um ser irracional, mas de um ser humano, que foi aniquilado pela intolerância de uma sociedade que está paulatinamente acostumada a banalizar a vida, sobretudo quando esta é de algum homossexual. Portanto, o fim de Lorena deve ser o início de uma luta contra o descaso, o desamor e, principalmente o desrespeito à individualidade humana e suas preferências. O que não se pode é deixar enterrar com ela a chance de encontrar maneiras de salvar tantos e tantos gays que sofrem ou poderão sofrer da mesma barbaridade que diminuiu a existência dessa travesti.

11 setembro 2012



Entreter o público com programas saudáveis deveria ser uma das principais metas das emissoras de televisão. No entanto, na busca incontrolável por altos índices de audiência, a mídia está cada vez menos preocupada com o nível da sua programação. Isto porque a bestialidade humana é explorada de forma exacerbada, com a exibição perigosa de cenas onde a selvageria entre as pessoas impera.

Algumas destas imagens são até “imperceptíveis” para os mais leigos que assistem a determinados programas, sem perceber a periculosidade do que está sendo transmitido para eles. Na verdade, utilizar a violência como ferramenta para atrair o público não é uma tática limitada ao homem moderno, porém, a forma como esse mecanismo vem sendo introduzido na vida da população requer uma apurada reflexão, uma vez que vivemos numa era regida pala banalização da vida e, consequentemente pela exaltação da violência.

Muito recentemente, um fenômeno esportivo vem tomando conta dos canais de televisão. As Artes Marciais Mistas, ou mais conhecida como MMA, é o tal esporte em destaque. Suas lutas são caracterizadas por golpes mistos, oriundos das várias modalidades marciais que essa luta pode contemplar. Ao assistir esses seres humanos em ação, digladiando-se como verdadeiras feras, logo vêm em mente às lutas realizadas nos coliseus romanos. Naquela época, era comum ter como entretenimento, combates entre homens que, animalesticamente lutavam entre si até a morte.

Esse espetáculo sangrento, no entanto, ganha na atualidade à versão moderna do MMA. Por enquanto, as mortes em combate nesse esporte não são tão corriqueiras como as dos romanos, mas a difusão desse tipo de luta nas emissoras televisivas é preocupante, visto que, numa sociedade violenta como a nossa, a potencialização de embates desse porte pode corroborar para a construção de mentes violentas, as quais não utilizarão da filosofia do MMA em suas vidas, mas sim os golpes, socos e ponta pés, como meio de defesa, ou pior, como ferramenta covarde de ataque.

No entanto, a mídia televisiva não se limita apenas em violentar os telespectadores com lutas desse tipo. Dentro da sua programação há outros shows dos quais a brutalidade predomina. Em novelas, filmes, seriados, por exemplo, há a difusão de cenas que muitas vezes não obedecem à classificação adequada para a faixa etária do público. Consequentemente, crianças e jovens entram cada vez mais cedo em contato com imagens que poderão distorcer a sua visão de mundo. São homens batendo em mulheres, ampliando a soberania masculina já engrandecida, negros sendo inferiorizados pela cor de sua pele, personagens socialmente estigmatizados, sem contar nas “calientes” cenas de sexo, que mais parecem uma cópula entre cães, apressando e estimulando a sexualidade desse grupo que ainda está em formação.

Dentro do âmbito pueril, destacam-se os desenhos animados que deveriam prezar por temáticas lúdicas, doces e contextualizadas com a idade dos baixinhos. Entretanto, o que se vê são animes cada vez mais brutais, os quais os personagens ensinam a machucar, a mentir, manipular, ofender e o pior a desrespeitar o ser humano. Com isso, nossas crianças crescem sabendo que a melhor forma de se defenderem do mundo é através da pancadaria, do ataque, esquecendo questões primordiais como a conversa e o diálogo. Por isso que cada vez mais encontramos crianças e jovens apáticos, arredios, sem controle, pois a falta de limites em casa, somada com a difusão errônea de conteúdos pela mídia, tem criado verdadeiras máquinas mortíferas mirins que, possivelmente irão praticar crimes mais graves, se algo não for feito agora para contê-los.

O que falar então dos telejornais, que mais parecem “realitys shows” de sangue, nos quais, estupros, assaltos, esquartejamentos, genocídios e uma gama imensa de carnificina passam quase que simultaneamente para os telespectadores, passivos e com fome de sangue. Não que a violência deixe de ser noticiada. É importante que a população seja informada sobre as barbaridades que são cometidas contra pessoas comuns, pois isto de alguma forma pode contribuir para que determinados crimes sejam solucionados. No entanto, espetacularizar a morte para trazer audiência, mostrando corpos ensanguentados, parentes desesperados, não parece ser uma conduta humana, mas a brutalização do homem ao desrespeitar a vida alheia, não se solidarizando com a dor do outro.

Parece que há uma necessidade humana de presenciar seus iguais em confronto. Brigas, confusões, assaltos, mortes, nada mais causa arrepio nem temores em quem vê pela televisão esse tipo de violência. Pelo contrário, a sede de sangue, de ver o oponente sendo nocauteado, ou alguém sendo de alguma forma machucado, aguça a adrenalina de muitos que encontram nesse tipo de espetáculo, difundido em demasia pela mídia, a oportunidade de extravasar as pulsações humanas mais repugnantes e que socialmente escondemos de nós mesmos. Sabendo disso, a mídia aproveita para difundir programas dos quais a violência aparece de forma descarada ou subliminar. Seja como for, ela é introduzida em nossas vidas e os prejuízos disso são quase que imperceptíveis a olho nu.



Tema: Influência do meio sobre o homem.

            Na democracia ateniense, a camada privilegiada era os seus cidadãos, homens livres, nascidos em Atenas e maiores de idade. Esses indivíduos eram os que poderiam exercer funções politicas. Hoje em dia, no Brasil, observam-se características das civilizações clássicas. São escolhidos pelo povo os representantes para gerir a nação, de certa forma deixando o governo centrado em uma pequena parcela. Surgir-se, assim, um cenário propício para a disseminação da corrupção, que vem ao lado da politica brasileira desde muito tempo, constatando a influencia do meio sobre o homem.

            Mensalões, desvio de verbas públicas, pagamento de propinas, contas no exterior entre outros escândalos caracteriza o ambiente de trabalho dos representantes do país. Os governantes disputam para aumentar seus ganhos e manter seus privilégios. Distanciando-se dos eleitores, desconsideram a suas funções seja elas no poder legislativo, judiciário ou ate mesmo no executivo. Colaborando para a péssima imagem ao exercer seus cargos de forma insatisfatória.

            Segundo os meios midiáticos, em um cenário composto pela corrupção políticos que agem de maneira coerente são motivos de chacotas, denominados de demagogos ou de Dom Quixote por muitos adversários. Como o deputado federal José Antônio Reguffe (PDT-DF) que abdicou de uma serie de benefícios, como a retirada do 14ª e 15ª salários e alguns assessores desnecessários, tornando-se incômodo para vários colegas de trabalho.

            Contudo, no Brasil o ambiente político impõe a corrupção aos indivíduos que ocupam algum cargo no poder executivo, legislativo ou judiciário. E aqueles que agem de forma correta, exercem as funções para qual foram designados honestamente se tornam alvo de piadas. Tal problema caminha com a sociedade desde tempos passados, mas se atitudes coerentes fossem tomadas no decorre das diversas situações. Poderia o meio influenciar o homem a realizar boas obras e deixar de lado a impunidade e a corrupção?
     
Aluno: Vinicius Rodrigues
Professor: Diogo Didier




  • " Ainda que o problema da liberdade seja insolúvel, podemos sempre discorrer sobre ele, colocar-nos do lado da contingência ou da necessidade... Nossos temperamentos e nossos preconceitos nos facilitam uma opção que circunscreve e simplifica o problema sem resolvê-lo. Se nenhuma construção teórica consegue torná-lo perceptível a nós, fazer-nos experimentar sua realidade espessa e contraditória, uma intuição privilegiada instala-nos no coração mesmo da liberdade, a despeito de todos os argumentos inventados contra ela. E temos medo; temos medo da imensidão do possível, não estando preparados para uma revelação tão vasta e tão súbita, para esse bem perigoso ao qual aspiramos e ante o qual retrocedemos. Que vamos fazer, habituados às cadeias e às leis, frente a um infinito de iniciativas, a uma orgia de resoluções ? A sedução do arbitrário no apavora. Se podemos começar qualquer ato, se não há limites para a inspiração e para os caprichos, como evitar nossa perda na embriaguez de tanto poder ? 
  • A consciência, abalada por esta revelação, interroga-se e estremece. Quem, em um mundo em pode dispor de tudo, não foi vítima de vertigem? O assassino faz um uso ilimitado de sua liberdade e não pode resistir à ideia de seu poder. Está dentro das possibilidades de cada um de nós tirar a vida de outro. Se todos os que matamos em pensamento desaparecessem de verdade, a Terra não teria mais habitantes. Trazemos em nós um carrasco reticente, um criminoso irrealizado. E os que não têm audácia de confessar suas tendências homicidas, assassinam em sonhos, povoam de cadáveres seus pesadelos. Ante um tribunal absoluto, só os anjos seriam absolvidos. Pois nunca houve ser que não desejasse - ao menos inconscientemente - a morte de outro ser. Cada qual arrasta atrás de si um cemitério de amigos e inimigos; importa pouco que esse cemitério seja relegado aos abismos do coração ou projetado à superfície dos desejos.
  • A liberdade, concebida em suas implicações últimas, coloca a questão de nossa vida ou da dos outros; comporta a dupla possibilidade de salvar-nos ou de perder-nos. Mas só nos sentimos livres, só compreendemos nossas oportunidades e nossos perigos, em certos sobressaltos. E é a intermitência desses sobressaltos, sua raridade, que explica por que este mundo não passa de um matadouro medíocre e de um paraíso fictício. Dissertar sobre a liberdade não leva a nenhuma consequência, nem para bem nem para mal; mas só temos instantes para dar-nos conta de que tudo depende de nós.




"Não se iluda. Fugindo ou não dela, é a morte que dá sentido à vida. É diante da possibilidade do fim que criamos uma existência que valha a pena. Sem ela, deixaríamos tudo para um amanhã que nunca chegaria, presos a um presente tão repetitivo quanto infinito. Calar a morte é uma burrice, já que inútil, mas é principalmente a perda de uma grande oportunidade para viver uma vida mais viva...A morte não é o contrário da vida, é o contrário do nascimento"

Eliane Brum


Usted se me llevó la vida
Y el alma entera,
Y se ha clavado aquí en mis huesos
El dolor con esta angustia y esta pena.

Usted no sabe que se siente perder,
No sabe que se siente caer y caer
En un abismo profundo y sin fe.

Usted se me llevó la vida,
Y aquí me tiene,
Como una roca que el océano golpea,
Que ahí está, pero no siente.

Usted no sabe lo importante que fue,
No sabe que su ausencia fue un trago de hiel
Que se ha quedado clavado en mi piel.

Usted no sabe, lo que es el amor
Y el miedo que causa la desolación,
Usted no sabe, que daño causó,
Como ha destrozado a este corazón,
Que tan sólo palpitaba
Con el sonido de su voz,
Con el sonido de su voz.

Usted se me llevó la vida,
Todas mis ganas,
Y me ha dejado congelada la razón
Y viva la desesperanza.

Usted no sabe que se siente perder
No sabe que su adios fue morirme de sed,
Que desgarró en este cuerpo su ser.

Usted no sabe, lo que es el amor
Y el miedo que causa la desolación,
Usted no sabe, que daño causó,
Como ha destrozado a este corazón,
Que tan sólo palpitaba
Con el sonido de su voz,
Con el sonido de su voz.

Usted no sabe de verdad como se ama,
Usted no sabe como he sufrido yo,
Usted es fría,
Y su maldad me hiere el alma,
Usted llenó mi vida, toda de dolor...

Usted no sabe, lo que es el amor
Y el miedo que causa la desolación,
Usted no sabe, que daño causó,
Como ha destrozado a este corazón...




Tinha de ser em Tupã o cartório que lavrou a primeira escritura brasileira de um “casal de três”: um homem e duas mulheres. Tupã, bem antes de ser uma cidade do interior de São Paulo, era o deus do trovão dos guaranis. E nós, caras-pálidas,
 sabemos que os índios nunca se interessaram pela monogamia. Por que a maioria de nós sente uma necessidade visceral de regular o amor e de se apropriar do outro a qualquer custo?

O trio familiar – “triângulo” virou coisa antiga por sugerir traição – é do Rio de Janeiro e só foi para Tupã oficializar a união estável porque está ali uma tabeliã de cabeça aberta: a paulistana Cláudia do Nascimento Domingues. Ela faz doutorado na USP sobre “famílias poliafetivas”. Um nome pomposo que evita a armadilha da “poligamia” e confirma uma tendência: adaptar o Direito a uma realidade bem mais plural que o casamento tradicional.

A tabeliã Cláudia – que vive com um homem uma união estável e sem filhos – tem sido procurada nos últimos meses por vários tipos de famílias, ansiosas para registrar o “poliamor” em cartório, assegurar direitos e comemorar visibilidade social. Família de três mulheres. Família de dois homens e uma mulher. Família de quatro pessoas: dois homens que moram no Brasil e suas duas parceiras que viajam muito. “Esta última é uma relação estável de cinco anos, e todos os amigos sabem que se relacionam entre si. É uma união ampla, conjunta, múltipla”, diz Cláudia.

A série de adjetivos revela uma dificuldade natural: como classificar o mundo novo do amor sem amarras. Como revestir de respeito e legitimidade o que muitos chamariam pejorativamente de “suruba”. Numa sociedade estruturada na monogamia, onde casais prometem, no altar, no cartório ou na cama, fidelidade até que a morte os separe, como aceitar formatos de família tão, digamos, criativos?

Os casais de três ou quatro pessoas que têm buscado o cartório de Tupã fazem parecer careta a “relação aberta” da geração hippie. Até os casais gays, chamados de homoafetivos, começam a ter um ar conservador... caso exijam exclusividade no afeto. No próximo século, segundo Cláudia, cuja orientadora na USP é uma desembargadora do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, não olharemos o homo ou o heterossexual pela distinção de gêneros: “Será uma preferência, como quem gosta de vinho ou de cerveja”.

“Onde está escrito que família precisa ser de um tipo só?”, pergunta Cláudia. “Não estamos inventando nada, não é? Na verdade, estamos voltando ao passado, aos gregos, ou então imitando os índios.”

A televisão já ilustra de forma folclórica os “poliafetivos compulsivos”, aqueles homens que elas costumavam chamar de “galinhas”. É o caso de Cadinho, personagem de Alexandre Borges na novela Avenida Brasil, com suas três mulheres. Foram elas, cansadas de ser enganadas, que decidiram compartilhar Cadinho num contrato com regras, horários, direitos e deveres. Em sua tese de doutorado, Cláudia pretende incluir papos com o autor da novela, João Emanuel Carneiro, e também com Pedro Bial, por seu programa das quintas-feiras, Na moral.

Para oficializar a união estável do trio do Rio, as primeiras preocupações de Cláudia foram: algum deles é casado? Não. Algum tem impedimento legal para viver em conjunto? Não. “Marquei com o homem e as duas mulheres para entender seus motivos. Não queriam casar. Só queriam definir regras em contas conjuntas, compra de imóvel, herança. Parentes e amigos já os tratavam como família havia alguns anos. Lavramos a escritura no fim de março. Até onde sabemos, é a primeira do tipo no Brasil.”

Apesar de pioneira, essa escritura é mais aceitável porque todos estão de acordo. E quando uma pessoa casada tenta registrar no cartório uma família paralela, sem conhecimento do cônjuge, para garantir os direitos do(a) amante? “É uma questão para a Justiça decidir”, diz Cláudia. Se a pessoa não se divorciou, pode até estar separada, mas, por ter uma união civil reconhecida, não pode legalmente registrar em contrato público uma família paralela. Mesmo que a relação, correta ou não, seja de amor. “Quando o Direito não oferece alternativa, as pessoas sempre dão um jeito. Fazem um contrato privado.”

Um dos casais que procuraram a tabeliã planeja driblar a lei. Eles são casados oficialmente, mas há uma terceira pessoa aceita pelos dois. Pretendem então se divorciar para, depois, constituir uma “família poliafetiva”. Tortuoso, não? Pois isso se chama realidade.
São exceções, mas, quem sabe, moram no apartamento ao lado do seu. E, caso encarem com honestidade o “poliamor”, quem somos nós – alguns nos engalfinhando por casos extraconjugais passageiros ou longos – para julgar o que é certo e errado na expressão do afeto e do desejo?

Ruth de Aquino


Sei muito bem que a língua, como coisa viva que é, só muda quando mudam as pessoas, as relações entre elas e a forma como lidam com o mundo. Poucas expressões humanas são tão avessas a imposições por decreto como a língua. Tão indomável que até mesmo nós, mais vezes do que gostaríamos, acabamos deixando escapar palavras que faríamos de tudo para recolher no segundo seguinte. E talvez mais vezes ainda pretendêssemos usar determinado sujeito, verbo, substantivo ou adjetivo e usamos outro bem diferente, que revela muito mais de nossas intenções e sentimentos do que desejaríamos. Afinal, a psicanálise foi construída com os tijolos de nossos atos falhos. Exerço, porém, um pequeno ato quixotesco no meu uso pessoal da língua: esforço-me para jamais usar a palavra “doutor” antes do nome de um médico ou de um advogado.  

Travo minha pequena batalha com a consciência de que a língua nada tem de inocente. Se usamos as palavras para embates profundos no campo das ideias, é também na própria escolha delas, no corpo das palavras em si, que se expressam relações de poder, de abuso e de submissão. Cada vocábulo de um idioma carrega uma teia de sentidos que vai se alterando ao longo da História, alterando-se no próprio fazer-se do homem na História. E, no meu modo de ver o mundo, “doutor” é uma praga persistente que fala muito sobre o Brasil. Como toda palavra, algumas mais do que outras, “doutor” desvela muito do que somos – e é preciso estranhá-lo para conseguirmos escutar o que diz. 

Assim, minha recusa ao “doutor” é um ato político. Um ato de resistência cotidiana, exercido de forma solitária na esperança de que um dia os bons dicionários digam algo assim, ao final das várias acepções do verbete “doutor”: “arcaísmo: no passado, era usado pelos mais pobres para tratar os mais ricos e também para marcar a superioridade de médicos e advogados, mas, com a queda da desigualdade socioeconômica e a ampliação dos direitos do cidadão, essa acepção caiu em desuso”.  

Em minhas aspirações, o sentido da palavra perderia sua força não por proibição, o que seria nada além de um ato tão inútil como arbitrário, na qual às vezes resvalam alguns legisladores, mas porque o Brasil mudou. A língua, obviamente, só muda quando muda a complexa realidade que ela expressa. Só muda quando mudamos nós. 

Historicamente, o “doutor” se entranhou na sociedade brasileira como uma forma de tratar os superiores na hierarquia socioeconômica – e também como expressão de racismo. Ou como a forma de os mais pobres tratarem os mais ricos, de os que não puderam estudar tratarem os que puderam, dos que nunca tiveram privilégios tratarem aqueles que sempre os tiveram. O “doutor” não se estabeleceu na língua portuguesa como uma palavra inocente, mas como um fosso, ao expressar no idioma uma diferença vivida na concretude do cotidiano que deveria ter nos envergonhado desde sempre.  
Lembro-me de, em 1999, entrevistar Adail José da Silva, um carregador de malas do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, para a coluna semanal de reportagem que eu mantinha aos sábados no jornal Zero Hora, intitulada “A Vida Que Ninguém Vê”. Um trecho de nosso diálogo foi este: 

- E como os fregueses o chamam?
- Os doutor me chamam assim, ó: “Ô, negão!” Eu acho até que é carinhoso.
- O senhor chama eles de doutor?

- Pra mim todo mundo é doutor. Pisou no aeroporto é doutor. É ó, doutor, como vai, doutor, é pra já, doutor....
- É esse o segredo do serviço?

- Tem que ter humildade. Não adianta ser arrogante. Porque, se eu fosse um cara importante, não ia tá carregando a mala dos outros, né? Sou pé de chinelo. Então, tenho que me botar no meu lugar.

A forma como Adail via o mundo e o seu lugar no mundo – a partir da forma como os outros viam tanto ele quanto seu lugar no mundo – contam-nos séculos de História do Brasil. Penso, porém, que temos avançado nas últimas décadas – e especialmente nessa última. O “doutor” usado pelo porteiro para tratar o condômino, pela empregada doméstica para tratar o patrão, pelo engraxate para tratar o cliente, pelo negro para tratar o branco não desapareceu – mas pelo menos está arrefecendo. 

Se alguém, especialmente nas grandes cidades, chamar hoje o outro de “doutor”, é legítimo desconfiar de que o interlocutor está brincando ou ironizando, porque parte das pessoas já tem noção da camada de ridículo que a forma de tratamento adquiriu ao longo dos anos. Essa mudança, é importante assinalar, reflete também a mudança de um país no qual o presidente mais popular da história recente é chamado pelo nome/apelido. Essa contribuição – mais sutil, mais subjetiva, mais simbólica – que se dá explicitamente pelo nome, contida na eleição de Lula, ainda merece um olhar mais atento, independentemente das críticas que se possa fazer ao ex-presidente e seu legado. 

Se o “doutor” genérico, usado para tratar os mais ricos, está perdendo seu prazo de validade, o “doutor” que anuncia médicos e advogados parece se manter tão vigoroso e atual quanto sempre. Por quê? Com tantas mudanças na sociedade brasileira, refletidas também no cinema e na literatura, não era de se esperar um declínio também deste doutor? 

Ao pesquisar o uso do “doutor” para escrever esta coluna, deparei-me com artigos de advogados defendendo que, pelo menos com relação à sua própria categoria, o uso do “doutor” seguia legítimo e referendado na lei e na tradição. O principal argumento apresentado para defender essa tese estaria num alvará régio no qual D. Maria, de Portugal, mais conhecida como “a louca”, teria outorgado o título de “doutor” aos advogados. Mais tarde, em 1827, o título de “doutor” teria sido assegurado aos bacharéis de Direito por um decreto de Dom Pedro I, ao criar os primeiros cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no Brasil. Como o decreto imperial jamais teria sido revogado, ser “doutor” seria parte do “direito” dos advogados. E o título teria sido “naturalmente” estendido para os médicos em décadas posteriores. 

Há, porém, controvérsias. Em consulta à própria fonte, o artigo 9 do decreto de D. Pedro I diz o seguinte: “Os que frequentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bacharéis formados. Haverá também o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e só os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes”. Tomei a liberdade de atualizar a ortografia, mas o texto original pode ser conferido aqui. “Lente” seria o equivalente hoje à livre-docente. 
Mesmo que Dom Pedro I tivesse concedido a bacharéis de Direito o título de “doutor”, o que me causa espanto é o mesmo que, para alguns membros do Direito, garantiria a legitimidade do título: como é que um decreto do Império sobreviveria não só à própria queda do próprio, mas também a tudo o que veio depois? 

O fato é que o título de “doutor”, com ou sem decreto imperial, permanece em vigor na vida do país. Existe não por decreto, mas enraizado na vida vivida, o que torna tudo mais sério. A resposta para a atualidade do “doutor” pode estar na evidência de que, se a sociedade brasileira mudou bastante, também mudou pouco. A resposta pode ser encontrada na enorme desigualdade que persiste até hoje. E na forma como essas relações desiguais moldam a vida cotidiana. 

É no dia a dia das delegacias de polícia, dos corredores do Fórum, dos pequenos julgamentos que o “doutor” se impõe com todo o seu poder sobre o cidadão “comum”. Como repórter, assisti à humilhação e ao desamparo tanto das vítimas quanto dos suspeitos mais pobres à mercê desses doutores, no qual o título era uma expressão importante da desigualdade no acesso à lei. No início, ficava estarrecida com o tratamento usado por delegados, advogados, promotores e juízes, falando de si e entre si como “doutor fulano” e “doutor beltrano”. Será que não percebem o quanto se tornam patéticos ao fazer isso?, pensava. Aos poucos, percebi a minha ingenuidade. O “doutor”, nesses espaços, tinha uma função fundamental: a de garantir o reconhecimento entre os pares e assegurar a submissão daqueles que precisavam da Justiça e rapidamente compreendiam que a Justiça ali era encarnada e, mais do que isso, era pessoal, no amplo sentido do termo. 

No caso dos médicos, a atualidade e a persistência do título de “doutor” precisam ser compreendidas no contexto de uma sociedade patologizada, na qual as pessoas se definem em grande parte por seu diagnóstico ou por suas patologias. Hoje, são os médicos que dizem o que cada um de nós é: depressivo, hiperativo, bipolar, obeso, anoréxico, bulímico, cardíaco, impotente, etc. Do mesmo modo, numa época histórica em que juventude e potência se tornaram valores – e é o corpo que expressa ambas – faz todo sentido que o poder médico seja enorme. É o médico, como manipulador das drogas legais e das intervenções cirúrgicas, que supostamente pode ampliar tanto potência quanto juventude. E, de novo supostamente, deter o controle sobre a longevidade e a morte. A ponto de alguns profissionais terem começado a defender que a velhice é uma “doença” que poderá ser eliminada com o avanço tecnológico.  

O “doutor” médico e o “doutor” advogado, juiz, promotor, delegado têm cada um suas causas e particularidades na história das mentalidades e dos costumes. Em comum, o doutor médico e o doutor advogado, juiz, promotor, delegado têm algo significativo: a autoridade sobre os corpos. Um pela lei, o outro pela medicina, eles normatizam a vida de todos os outros. Não apenas como representantes de um poder que pertence à instituição e não a eles, mas que a transcende para encarnar na própria pessoa que usa o título.  

Se olharmos a partir das relações de mercado e de consumo, a medicina e o direito são os únicos espaços em que o cliente, ao entrar pela porta do escritório ou do consultório, em geral já está automaticamente numa posição de submissão. Em ambos os casos, o cliente não tem razão, nem sabe o que é melhor para ele. Seja como vítima de uma violação da lei ou como autor de uma violação da lei, o cliente é sujeito passivo diante do advogado, promotor, juiz, delegado. E, como “paciente” diante do médico, como abordei na coluna anterior, deixa de ser pessoa para tornar-se objeto de intervenção. 

Num país no qual o acesso à Justiça e o acesso à Saúde são deficientes, como o Brasil, é previsível que tanto o título de “doutor” permaneça atual e vigoroso quanto o que ele representa também como viés de classe. Apesar dos avanços e da própria Constituição, tanto o acesso à Justiça quanto o acesso à Saúde permanecem, na prática, como privilégios dos mais ricos. As fragilidades do SUS, de um lado, e o número insuficiente de defensores públicos de outro são expressões dessa desigualdade. Quando o direito de acesso tanto a um quanto a outro não é assegurado, a situação de desamparo se estabelece, assim como a subordinação do cidadão àquele que pode garantir – ou retirar – tanto um quanto outro no cotidiano. Sem contar que a cidadania ainda é um conceito mais teórico do que concreto na vida brasileira. 

Infelizmente, a maioria dos “doutores” médicos e dos “doutores” advogados, juízes, promotores, delegados etc estimulam e até exigem o título no dia a dia. E talvez o exemplo público mais contundente seja o do juiz de Niterói (RJ) que, em 2004, entrou na Justiça para exigir que os empregados do condomínio onde vivia o chamassem de “doutor”. Como consta nos autos, diante da sua exigência, o zelador retrucava: “Fala sério....” Não conheço em profundidade os fatos que motivaram as desavenças no condomínio – mas é muito significativo que, como solução, o juiz tenha buscado a Justiça para exigir um tratamento que começava a lhe faltar no território da vida cotidiana. 

É importante reconhecer que há uma pequena parcela de médicos e advogados, juízes, promotores, delegados etc que tem se esforçado para eliminar essa distorção. Estes tratam de avisar logo que devem ser chamados pelo nome. Ou por senhor ou senhora, caso o interlocutor prefira a formalidade – ou o contexto a exija. Sabem que essa mudança tem grande força simbólica na luta por um país mais igualitário e pela ampliação da cidadania e dos direitos. A estes, meu respeito.  

Resta ainda o “doutor” como título acadêmico, conquistado por aqueles que fizeram doutorado nas mais diversas áreas. No Brasil, em geral isso significa, entre o mestrado e o doutorado, cerca de seis anos de estudo além da graduação. Para se doutorar, é preciso escrever uma tese e defendê-la diante de uma banca. Neste caso, o título é – ou deveria ser – resultado de muito estudo e da produção de conhecimento em sua área de atuação. É também requisito para uma carreira acadêmica bem sucedida – e, em muitas universidades, uma exigência para se candidatar ao cargo de professor.

Em geral, o título só é citado nas comunicações por escrito no âmbito acadêmico e nos órgãos de financiamento de pesquisas, no currículo e na publicação de artigos em revistas científicas e/ou especializadas. Em geral, nenhum destes doutores é assim chamado na vida cotidiana, seja na sala de aula ou na padaria. E, pelo menos os que eu conheço, caso o fossem, oscilariam entre o completo constrangimento e um riso descontrolado. Não são estes, com certeza, os doutores que alimentam também na expressão simbólica a abissal desigualdade da sociedade brasileira.

Estou bem longe de esgotar o assunto aqui nesta coluna. Faço apenas uma provocação para que, pelo menos, comecemos a estranhar o que parece soar tão natural, eterno e imutável – mas é resultado do processo histórico e de nossa atuação nele. Estranhar é o verbo que precede o gesto de mudança. Infelizmente, suspeito de que “doutor fulano” e “doutor beltrano” terão ainda uma longa vida entre nós. Quando partirem desta para o nunca mais, será demasiado tarde. Porque já é demasiado tarde – sempre foi. 

Eliane Brum