20 fevereiro 2018

PABLLO VITTAR E A INVEJA ESTAMPADA NA NOSSA CARA!


Vivemos uma revolução musical no Brasil. Nunca na história nacional tantos artistas assumidamente LBGT’s encaram a cena artística do país. O momento para isso não poderia ser mais oportuno. Em meio às mídias sociais, os grupos de militância estão ganhando cada vez mais força, com discursos de empoderamento contrários aos preconceitos de gênero, orientação e identidade. Porém, tanta visibilidade tem um preço. É o que a Drag Pop brasileira Pabllo Vittar tem sentido na pele. Ícone das atuais transformações musicais, e culturais, do país, ela já foi ignorada em entrevista, atacada com discursos homofóbicos na rede e há pouco teve seu canal do YouTube Hackeado. Isso deixa claro o desconforto causado não apenas pela existência da cantora Pabllo, mas pelo sucesso que ela tem conquistado para além do público gay.

Apesar do que dita o preconceito, música não tem gênero, tão pouco sexualidade. Mesmo assim, durante anos, a sociedade foi construída a partir de versos cantados de hétero para hétero. A exceção se dava quando tinha como foco a comicidade. Atualmente, porém, há diversos cantores preenchendo esta lacuna. Liniker, Johnny Hooker, Rico Dalasam, são exemplos disso. Em suas canções são representados os dilemas vividos pelo segmento LGBT, os quais são ignorados pelo público em geral. A Pabllo não se destaca nesse sentido, pois suas músicas não trazem uma plataforma política como discurso principal. A ideia é dançar, se divertir, rebolar, bater cabelo, gritar, pular, coisa que independe da sexualidade da plateia. Por essa razão ela agradou tão rapidamente uns e desagradou a outros, por romper o padrão heteronormativo também existente no ideal de artista.

Evidentemente que entre os opositores da Pabllo nem todos são heterossexuais. Há muitos gays que afirmam não gostar da artista, seja por causa da voz, do estilo da música, pela falta de empoderamento em suas letras ou por ela ser afeminada (pasmem!). Os motivos são variados e, em alguns casos, compreensíveis. Deve ser difícil digerir uma drag cantora quando o país nem sequer sabe direito lidar com questões ligadas a sexualidade. Todavia, uma coisa é indiscutível, a Pabllo é um ícone, um fenômeno, pós marco iniciado lá atrás por artistas como Ney Matogrosso. Para os céticos, basta listar as conquistas recentes dela: parceira com Anitta e Major Lazer, convites para programas de auditório, clipes com milhares de visualizações no YouTube, shows lotados e uma legião de fãs nas redes sociais. Além dela está colocando o país na cena Pop Internacional como poucos cantores nacionais já o fizeram.

Claro que ninguém encara a fama de uma determinada celebridade da mesma forma. Enquanto uns aceitam e entendem o porquê da representatividade existente na Pabllo, há outros que simplesmente a ignoram. Sem problemas nisso. Até porque, a arte toca cada pessoa a sua maneira. Contudo, há um abismo entre não gostar e repudiar. Entre a mera rejeição e a declarada censura. Entre o ato de trocar de rádio ao de violar o canal da artista no YouTube. Percebam a ruína existente na completa aversão da artista quando se leva em conta que o real motivo para tudo isso está em sua performance no palco. Trata-se de um homem de peruca, vestido com roupas típicas do que se entende como “universo feminino”, cantando com uma voz fina e com a face exageradamente maquiada. Esse é o olhar grosseiro direcionado pelo preconceito, ignorando qualquer sutileza artística que há na apresentação daquela drag e o porquê dela está tão plena no palco.

É a inveja. Ela é responsável por menosprezar o triunfo alheio. Quando o outro é assumidamente LGBT esse pecado capital ganha novos contornos. Isto porque, temendo aquilo que não se conhece, e/ou não se permite conhecer, o invejoso cobiça para si o que ele considera que não pode ser do outro. No caso dos gays seria a liberdade de ser e de se expressar como se é. Para isso vale de tudo para anular tal êxito, desde xingamentos, espancamentos e mortes. Quantos LGBT’s são mortos porque somos uma sociedade que julga a homossexualidade de dia e se deleita dela à noite, através das estereotipadas travestis, pelos michês e tantos outros arranjos sexuais condenados pelos puritanos? Inúmeros. Nem saberíamos mensurar. Então, a Pabllo Vittar fomenta a inveja alheia por dar voz a tantos jovens da idade dela, que encaram a sociedade de frente, com suas identidades e construções sexuais diversas.

Em contrapartida, nem todos os famosos tiveram a mesma sorte dela. Vivemos num país onde há muitos artistas gays ainda nas coxias, temendo ir a público para não perder contratos e, o pior, o respeito adquirido às custas de uma farsa hétero. No Brasil, os poucos que se rebelaram sabem o quão penoso isso foi para suas carreiras. Os Cantores Netinho e Daniela Mercury são provas disso, que mesmo na grande mídia, não detém o prestígio social de antes. Acontece que a Pabllo já veio montada, de salto alto, blush e muito brilho. Ou seja, ela abriu caminho para que muitos outros artistas renegados aos guetos das boates, saunas e tantos outros espaços destinados ao público gay, ganhassem o grande público. Neles há transformistas, drags, cantores(as), comediantes, atores/atrizes, incríveis, mas que não têm oportunidade de mostrar nacionalmente seus talentos. Talvez a Pabllo tenha se tornado a fada madrinha dos próximos artistas que abrilhantarão a cena artística do país.

Enquanto uns jogam pedra na Pabllo, provavelmente a mesma lançada contra Geni na canção de Chico Buarque, estes deixam de observar o teor transgressivo que há na existência de uma grag cantora num país ditado pelo preconceito. A Pabllo Vittar subverteu o sistema através da forma artística mais acessível entre as massas, a música. A voz dela mostra que é possível sim ser gay, estar montada no palco e não necessariamente fazer um show voltado apenas ao público LGBT. As letras das canções dela, mesmo sem a pretensão de problematizar nada, já o fazem apenas por serem entoadas pela boca perfeitamente delineada de uma drag. Aliás, há muitos cantores(as) héteros com letras sem reflexão alguma e isso nem sequer é atribuído como argumento negativo para suas carreiras, porque com uma artista gay isso seria relevante? Possivelmente para sabotar seu trabalho. O que é uma pena, pois mostra que a inveja, o despeito e o preconceito continuam estampados na nossa cara, ops, na sua cara.

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