30 janeiro 2012

Bolsonaro e a distribuição do mal



Paulo Ghiraldelli Jr*

A pedofilia é um problema no Brasil - um problema de uso de nossos vocabulários. Alguns diriam: um problema conceitual. Estamos em conflito porque não sabemos discernir entre o que queremos dizer com a expressão “um namoro comum” e o que desejamos apontar com “abuso de menores”. Esse problema no uso do vocabulário cria situações desagradáveis que atingem casais heterossexuais e, mais ainda, os não heterossexuais.

A situação torna-se dramática porque, quando usamos a segunda expressão, “abuso de menores”, podemos estar querendo dizer “pedofilia”. Ora, “pedofilia” é um termo maldito em nossa sociedade. Alguns a utilizam para dizer que um adulto machucou física e sentimentalmente crianças e outros para apontar uma relação entre jovens. A linha entre o vocabulário que fala de crime e o vocabulário que fala de costumes não aprovados por alguns é tênue, principalmente em um país cuja escola e o ensino da leitura vai de mal a pior. Todo tipo de injustiça, que não raro leva a chacinas, estão enterradas por conta desses deslizes da linguagem.

Começamos, de uns tempos para cá, a criar dois ou três ou mais tipos de vocabulários para expressar nossos anseios morais. Uma parte da população pode levantar as mãos para o céu e festejar a decisão do Supremo Tribunal Federal que, mesmo tendo um parâmetro contrário na Constituição do país, aprovou o que temos chamado de “união homoafetiva”. Outra parte, meio que embasbacada pelos vocabulários que vão sendo criados pelas minorias para defenderem seus direitos, abre-se para um discurso que perigosamente incentiva a condescendência com a discriminação. Essa segunda parte pode abrigar as almas que Bolsonaro quer conquistar.

Bolsonaro imagina, sinceramente, que as pessoas que gostam de outras do mesmo sexo não gostam para namorar e, sim, para agarrá-las na rua e estuprar, principalmente se tais vítimas do ataque forem crianças pequenas. Ou crianças um pouco maiores, conforme o caso fique interessante para ele ou não. Afinal, ele próprio não sabe bem o que é criança ou o que não é, uma vez que, não raro, aparece também querendo diminuir a lei da menoridade no país. O que ele sabe, ou melhor, o que ele acredita, é que há uma quantidade enorme de adultos - talvez a maioria da população - que não trabalham e, enfim, não fazem outra coisa senão ficar o dia todo tentando estuprar crianças.

Duvido que, na cabeça deles, esses estupradores não sejam negros e pobres. Ele acredita, inclusive, que se o governo está tentando criar mecanismos verbais no sentido de diminuir a discriminação contra os não heterossexuais, é porque a esquerda está no poder, e “essa gente” está desejosa de ver todas as nossas crianças se tornando gays e, então, chamando adultos para transar. Assim, as próprias crianças abririam as portas para a raposa tomar conta do galinheiro.

Bolsonaro acredita nisso do mesmo modo que ele acredita que pode, então, também ele, abordar as crianças na escola para criar a “contra ideologia gay”. Se “os gays do governo”, como ele pensa, querem ganhar as crianças para o pecado e, depois, para o estupro, então ele também pode ganhar essas crianças para a autoproteção e, no limite, a manutenção do vocabulário que hoje ajuda na discriminação dos não heterossexuais. Um vocabulário que se dissemina e faz a violência contra os não heterossexuais se tornar coisa comum. No limite, Bolsano deseja que cada criança use o seguinte vocabulário: “ah, morreu um travesti na esquina, esfaqueado; ah, mas era só um traveco mesmo”.

Quando as crianças voltarem a conversar assim, Bolsonaro estará contente. Elas estarão precavidas contra o “mundo gay” que, no fundo, segundo a cartilha dele, é o “mundo dos pedófilos”.

Da minha parte, creio que está na hora do estado parar Bolsonaro. Com as cartilhas que ele está distribuindo em escolas, ele ultrapassou o uso do vocabulário do preconceito. Ele está usando o vocabulário do fomento ao ódio.

* Filósofo, escritor e professor da UFRRJ

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