17 janeiro 2012

Decifra-me ou te mato



Decifra-me ou te mato*

Apresentada na última sexta-feira pela polícia como uma das autoras do assassinato de seus pais, ocorrido no mês passado, em São Paulo, Suzane Richthofen, de 19 anos, tem muito a ensinar sobre a atual geração de jovens de classe média.

A violência de uma filha contra os pais, a ponto de levar ao homicídio, é obviamente um caso isolado, raríssimo. Mas é um ato que se presta a símbolo de uma tendência visível entre jovens: a de não saber lidar com os limites e com a frustração. É uma situação de escravização ao desejo, alimentada por uma sociedade que estimula a satisfação imediata das vontades. Essa é a radicalidade do consumismo. Viver é satisfazer imediatamente os desejos.

Suzane Richthofen disse que, ajudada pelo namorado, matou por amor. O pai, um engenheiro, e a mãe, uma psiquiatra, não gostavam do namorado e estariam inviabilizando a relação. Como não conseguiu a autorização para manter o relacionamento e não queria fugir de casa, até porque não sabia como iria assegurar o padrão de vida-, optou pelo assassinato.

"Ela se comportou como uma menina que, por causa de um brinquedo, faz escândalo na porta da loja, indiferente ao desespero e à dor dos pais", analisa o psiquiatra Içami Tiba, especialista em juventude. "Vemos hoje, com muita frequência, jovens que não conseguem sair da infância, que são autocentrados. Agem com a irresponsabilidade de uma criança, mas com a força do adulto."
Há tempos, educadores e psicólogos têm alertado sobre a crescente dificuldade de impor limites em sala de aula, sobre a arrogância dos alunos que descamba para o desrespeito, sobre o consumo excessivo de drogas, principalmente álcool, e sobre uma atitude de descaso, do tipo "tanto faz".

Virou tema rotineiro nos seminários de educação o prejuízo causado nas crianças e adolescentes por uma sociedade que reverencia o consumo e, ao mesmo tempo, por pais que não enfrentam a frustração dos filhos. Esse tipo de pai ou de mãe ganhou o apelido de "adultescente", a mistura do adulto com o adolescente.

"Estamos presenciando uma geração de pais que não consegue impor limites e, pior, faz de tudo para que os filhos nunca se frustrem. As crianças ficam ainda mais vulneráveis à dor", comenta Rosely Sayão, educadora e psicóloga, convencida de que Suzane é o caso extremado e doentio da intolerância de administrar limites e frustração.

Tempos atrás, Suzane possivelmente teria transformado a inconformidade em fuga de casa. Iria morar sozinha, assumindo uma postura adulta. Estaria sujeita às mais diversas privações materiais, mas experimentaria uma aventura enriquecedora. Teria sempre a deliciosa lembrança de um delírio apaixonado. "O curioso é que ela age como uma adolescente indefesa quando demonstra necessitar da aprovação dos pais, mas age como uma adulta ao planejar um assassinato", analisa.

Conhecido por criticar a "adultescência", o psiquiatra Içami Tiba costuma receber em seu consultório casais aflito com a agitação e a indisciplina dos filhos, quase donos da casa, mandando e desmandando. "Um dia eu perguntei a uma mãe qual era a idade do filho que tanto a tiranizava. Ela me disse que ele tinha três anos. E eu lhe disse, então, que seria melhor que deixasse o filho sossegado e fosse, ela própria, procurar tratamento."

A busca da satisfação imediata estimula a impulsividade e a hiperatividade. Basta ver a relação dos adolescentes com os meios de comunicação, conforme detectou recentemente uma pesquisa da MTV sobre o que chamou de "geração zap". "Zap" vem de ficar "zapeando". Com o controle remoto, trocam-se, sem parar, os canais da televisão.

Submetem-se ao mesmo tempo a todos os estímulos. Não conseguem assistir a um mesmo programa por muito tempo - o rádio está ligado, a internet acionada, folheia-se uma revista ou fala-se ao telefone. A dificuldade de ler livros está associada, de um lado, à escola, que não sabe encantar pelas palavras, mas, de outro, à dificuldade de parar quieto e focado num só tema.
Vivemos numa sociedade que reverencia a velocidade - o reinado do tempo real -, o efêmero tecnológico, o corpo (as modelos são chamadas a dar opiniões sobre qualquer coisa), o desempenho, o sucesso individual, a moda. O valor das pessoas está muito mais no ter e, principalmente, no aparentar do que no ser.

Nada disso foi criado agora. São atitudes que acompanham a humanidade: o filho apaixonado que mata o pai aparece desde a Grécia antiga (daí surgiu o tal "decifra-me ou devoro-te"). Mas, certamente, o culto do desempenho, da aparência e do consumo está mais extremado numa sociedade que parece ter extirpado as utopias, trocando-as pelo narcisismo coletivo, justamente isso provoca o extremo de uma jovem arquitetar, "por amor", a morte dos pais.

Por Gilberto Dimenstein

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