24 fevereiro 2016



Vou logo lhe dizendo, não sou uma pessoa fácil.
Então, se quiser ficar comigo, é bom saber logo quem sou:
Meu nome é ...
Tenho a idade certa para te fazer feliz.
Minha altura é suficiente para você não se perder.
A cor da minha pele insinua o mais puro pecado.
Não sou ligado (a) em academias.
Na medida do possível, meu corpo está sempre em forma.
Cuido da minha aparência. Estou sempre apresentável.
Porém, isso é o que menos importa para mim.
Uma boa conversa, charme e inteligência contam bem mais.
Como caráter, honestidade e tolerância também me conquistam rapidinho.
Não resisto a um sorriso maroto ou aquele olhar que te diz muito sem nenhuma palavra.
Estou aberto ao namoro.
A trocar carinhos.
Amar e ser amado.
Mas, odeio ser controlado.
Não quero alguém vigiando todos os meus passos.
Gosto da minha liberdade e prefiro continuar prezando por ela.
Então, nada de ficar me ligando de cinco em cinco minutos para saber onde estou.
Nada de ficar me rastreando através dos meus amigos.
Nada de cobranças desmedidas.
Nada do tipo: “onde você estava? ”
Nada disso!
Se quiser ficar comigo, vai ter que confiar em mim.
E aceitar meu modo de vida.
Minha família, amigos, colegas de trabalho/escola, bichos de estimação...
Também não gosto de ciúmes sem motivo.
Essa coisa de não puder olhar pro lado, sem que não haja uma repreensão.
Isso não rola comigo.
O fato de eu olhar em todas as direções, não significa que estou te traindo.
Para trair, eu posso estar até de olho fechado ;)
Não venha com essa história de perseguição.
Rastrear meu telefone ou ficar cutucando ele na minha ausência.
Não preciso dizer que não te darei a senha das minhas redes sociais.
Lembre-se: eu escolhi ficar com você e não viver para você.
Namorar não retirou de mim o direito de eu ser Myself.
E de fazer as minhas coisas mais pessoais.
Quando não estou com você, possivelmente estou com meus amigos.
Então, nada de implicar com eles.
Nem muitos menos deixar de falar com alguns deles por causa de você.
Espero que você não cogite essa possibilidade.
Se escolhi a sua companhia, foi para namorar, não para me amarrar.
Falo com quem quiser e espero não ter problema quanto a isso.
Se você é aquele tipo de pessoa grudenta, pegajosa, possessiva, dominadora...
Não faz meu tipo!
Como também não curto alguém distante, inexpressivo, não participativo...
Relacionamento precisa de doses cavalares de bom senso, se não enjoa e vira rotina.
Gosto de fazer coisas novas, inusitadas, mas nem sempre compreendidas.
Logo, não se choque se de um dia para outro eu resolver fazer uma loucura.
Como deixar de trabalhar com advocacia e se entregar a uma Ong.
Esse sou eu.
Sou do tipo de trocar água por vinho, mesmo sem ser semana santa.
Prefiro a aventura de viver do que a desventura de não me permitir ser quem sou.
Então, se quiser viver comigo, é melhor pensar duas vezes e ser tolerante.
Não suporto intolerância!
Gente ignorante, então nem pensar.
Se quiser namorar comigo, tem que vir de mente aberta.
Permitir será a palavra de ordem do nosso namoro.
Se possível, evite barracos.
Sou chato quando alguém grita comigo sem motivo.
Então, se eu lhe fizer algo errado, não vai ser discutindo que vamos resolver.
Dialogar é sempre o mais sensato em qualquer relação.
Já digo logo que não namoro com pessoas inseguras.
Que não sabem o quer para si.
A insegurança cria relações instáveis entre as pessoas.
Fale que gosta, quer, precisa, deseja, compra, paga, odeia... sem meio termo.
Não vou me importar com quem paga a conta da mesa do jantar.
Desde que sempre haja um rodízio entre nós nesse sentido.
Odeio pessoas usurpadoras.
Não tente me ganhar com elogios ou bajulações.
Para me conquistar, basta usar a criatividade.
Muitas vezes, nem precisa falar.
As atitudes valem bem mais que muitas horas de conversa.
Seja original, sem forçar barra, ou parecer ser alguém que não é.
A autenticidade mantém a sinceridade nas relações.
Sincero eu sempre serei, e é bom você saber logo disso.
Direi tudo o que penso sobre nós, sobretudo nos momentos mais difíceis.
E espero contar com a mesma sinceridade do outro lado.
Nenhuma relação perdura com mentiras, ou meias verdades.
Mentir? Essa palavra não pode existir entre nós.
Há, quase ia esquecendo.
Nosso sexo não cairá no cotidiano.
Se depender de mim, faremos amor das melhores formas e nos lugares mais improváveis.
Na cama, na lama ou numa casinha de sapê, como diz a canção.
Não vale indisposição sem motivo, nem desculpas esfarrapadas para desanimar esse momento.
É o sexo que mantém vivo o fogo das paixões que queima em cada relação humana.
Por isso, nada de esfriar essa chama.
Sei que sou intransigente e meio mandão, mas estou tentando mudar isso em mim.
Por favor, seja paciente comigo. Também serei com você.
Sou de opostos.
Se você prefere água, eu vou de fogo.
Se você é inverno, eu sou mais no verão.
Entre refrigerante e cerveja, eu fico com o segundo.
Amo a noite, mas posso fazer um esforço para gostar do dia.
Adoro uma balada, mas também amo estar casa bem agarradinho com um livro.
Gosto de salgados, porém não troco uma boa sobremesa por nada.
Adoro comer bem. Melhor ainda se estiver em sua companhia.
Por estar com você, vou gostar de participar da sua vida.
Mas sem invadir seu espaço.
Serei a companhia ideal para ir ao cinema, praia, mesa de bar...
Ou para os momentos mais tristes de nossas vidas, como a perda de um ente querido.
Partilharei de alegrias e tristezas contigo.
Serei amante, amigo, companheiro, conselheiro...
Romantismo é um dos meus fortes.
Sou intenso, verdadeiro, uma explosão de sentimentos.
Muitos deles, você só descobrirá na prática.
Não se assuste se eu te beijar todos os dias como se fosse a primeira vez.
Nem se o sexo for mais ardente a cada dia.
É que quando gosto é pra valer e não consigo disfarçar.
Não economizo paixão quando me apego de verdade a alguém.
Entrego o meu mais puro eu para o outro.
Nada de limitar o desejo.
Esse é o meu jeito de namorar.
Tem mais coisas ao meu respeito que prefiro não contar.
Você vai descobrir assim que chegar em minha vida.
Até lá, deixo aqui esse pouco do muito que sou.
Não me defini por completo, porque isso limita todas as minhas outras faces.
Sou bem mais que tudo isso.
Sou a pessoa que vai te fazer feliz a partir do primeiro beijo.
Meu amor é capaz de modificar vidas.
Assim como espero que você mude a minha com seus lábios.
Traga na bagagem as armas para transformar a nossa relação.
Que eu já estou armado até os dentes.
Não curto jogos, mas posso cair na jogada da conquista e lançar as minhas cartas a mesa.
Mas, preciso saber se você está disposto a jogá-las comigo.
Se for bom jogador, espero ser derrotado no primeiro beijo.
O prêmio para quem vencer será dar ao outro muito mais amor.
Assim, ninguém sairá perdendo.


E ai, topas ficar comigo?

A vaidade intelectual marca a vida acadêmica. Por trás do ego inflado, há uma máquina nefasta, marcada por brigas de núcleos, seitas, grosserias, humilhações, assédios, concursos e seleções fraudulentas. Mas em que medida nós mesmos não estamos perpetuando essemodus operandi para sobreviver no sistema? Poderíamos começar esse exercício auto reflexivo nos perguntando: estamos dividindo nossos colegas entre os “fracos” (ou os medíocres) e os “fodas” (“o cara é bom”).
As fronteiras entre fracos e 'fodas' começam nas bolsas de iniciação científica da graduação. No novo status de bolsista, o aluno começa a mudar a sua linguagem. Sem discernimento, brigas de orientadores são reproduzidas. Há brigas de todos os tipos: pessoais (aquele casal que se pegava nos anos 1970 e até hoje briga nos corredores), teóricas (marxistas para cá; weberianos para lá) e disciplinares (antropólogos que acham sociólogos rasos generalistas, na mesma proporção em que sociólogos acham antropólogos bichos estranhos que falam de si mesmos).
A entrada no mestrado, no doutorado e a volta do doutorado sanduíches vão demarcando novos status, o que se alia a uma fase da vida em que mudar o mundo já não é tão importante quanto publicar um artigo em revista qualis A1 (que quase ninguém vai ler).
Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dizíamos que quando alguém entrava no mestrado, trocava a mochila por pasta de couro. A linguagem, a vestimenta e o ethosmudam gradualmente. E essa mudança pode ser positiva, desde que acompanhada por maior crítica ao sistema e maior autocrítica – e não o contrário.
A formação de um acadêmico passa por uma verdadeira batalha interna em que ele precisa ser um gênio. As consequências dessa postura podem ser trágicas, desdobrando-se em dois possíveis cenários igualmente predadores: a destruição do colega e a destruição de si próprio.
O primeiro cenário engloba vários tipos de pessoas (1) aqueles que migraram para uma área completamente diferente na pós-graduação; (2) os que retornaram à academia depois de um longo tempo; (3) os alunos de origem menos privilegiada; (4) ou que têm a autoestima baixa ou são tímidos. Há uma grande chance destas pessoas serem trituradas por não dominarem o ethos local e tachadas de “fracos”.
Os seminários e as exposições orais são marcados pela performance: coloca-se a mão no queixo, descabela-se um pouco, olha-se para cima, faz-se um silêncio charmoso acompanhado por um impactante “ãaaahhh”, que geralmente termina com um “enfim” (que não era, de fato, um “enfim”). Muitos alunos se sentem oprimidos nesse contexto de pouca objetividade da sala de aula. Eles acreditam na genialidade daqueles alunos que dominaram a técnica da exposição de conceitos.
Hoje, como professora, tenho preocupações mais sérias como estes alunos que acreditam que os colegas são brilhantes. Muitos deles desenvolvem depressão, acreditam em sua inferioridade, abandonam o curso e não é raro a tentativa de suicídio como resultado de um ego anulado e destruído em um ambiente de pressão, que deveria ser construtivo e não destrutivo.
Mas o opressor, o “foda”, também sofre. Todo aquele que se acha “bom” sabe que, bem lá no fundo, não é bem assim. Isso pode ser igualmente destrutivo. É comum que uma pessoa que sustentou seu personagem por muitos anos, chegue na hora de escrever e bloqueie.
Imagine a pressão de alguém que acreditou a vida toda que era foda e agora se encontra frente a frente com seu maior inimigo: a folha em branco do Word. É “a hora do vâmo vê”. O aluno não consegue escrever, entra em depressão, o que pode resultar no abandono da tese. Esse aluno também é vítima de um sistema que reproduziu sem saber; é vítima de seu próprio personagem que lhe impõe uma pressão interna brutal.
No fim das contas, não é raro que o “fraco” seja o cavalinho que saiu atrasado e faça seu trabalho com modéstia e sucesso, ao passo que o “foda” não termine o trabalho. Ademais, se lermos o TCC, dissertação ou tese do “fraco” e do “foda”, chegaremos à conclusão de que eles são muito parecidos.
A gradação entre alunos é muito menor do que se imagina. Gênios são raros. Enroladores se multiplicam. Soar inteligente é fácil (é apenas uma técnica e não uma capacidade inata), difícil é ter algo objetivo e relevante socialmente a dizer.
Ser simples e objetivo nem sempre é fácil em uma tradição “inspirada” (para não dizer colonizada) na erudição francesa que, na conjuntura da França, faz todo o sentido, mas não necessariamente no Brasil, onde somos um país composto majoritariamente por pessoas despossuídas de capitais diversos.
É preciso barrar imediatamente este sistema. A função da universidade não é anular egos, mas construí-los. Se não dermos um basta a esse modelo a continuidade desta carreira só piora. Criam-se anti-professores que humilham alunos em sala de aula, reunião de pesquisa e bancas. Anti-professores coagem para serem citados e abusam moral (e até sexualmente) de seus subalternos.
Anti-professores não estimulam o pensamento criativo: por que não Marx e Weber? Anti-professores acreditam em lattes e têm prazer com a possibilidade de dar um parecer anônimo, onde a covardia pode rolar às soltas.
O dono do Foucault
Uma vez, na graduação, aos 19 anos, eu passei dias lendo um texto de Foucault e me arrisquei a fazer comparações. Um professor, que era o dono do Foucault, me disse: “não é assim para citar Foucault”.
Sua atitude antipedagógica, anti-autônoma e anti-criativa, me fez deixar esse autor de lado por muitos anos até o dia em que eu tive que assumir a lecture “Foucault” em meu atual emprego. Corrigindo um ensaio, eu quase disse a um aluno, que fazia um uso superficial do conceito de discurso, “não é bem assim...”.
Seria automático reproduzir os mecanismos que me podaram. É a vingança do oprimido. A única forma de cortamos isso é por meio da autocrítica constante. É preciso apontar superficialidade, mas isso deve ser um convite ao aprofundamento. Esquece-se facilmente que, em uma universidade, o compromisso primordial do professor é pedagógico com seus alunos, e não narcisista consigo mesmo.
Quais os valores que imperam na academia? Precisamos menos de enrolação, frases de efeitos, jogo de palavras, textos longos e desconexos, frases imensas, “donos de Foucault”. Se quisermos que o conhecimento seja um caminho à autonomia, precisamos de mais liberdade, criatividade, objetividade, simplicidade, solidariedade e humildade.
O dia em que eu entendi que a vida acadêmica é composta por trabalho duro e não genialidade, eu tirei um peso imenso de mim. Aprendi a me levar menos a sério. Meus artigos rejeitados e concursos que fiquei entre as últimas colocações não me doem nem um pouquinho. Quando o valor que impera é a genialidade, cria-se uma “ilusão autobiográfica” linear e coerente, em que o fracasso é colocado embaixo do tapete. É preciso desconstruir o tabu que existe em torno da rejeição.
Como professora, posso afirmar que o número de alunos que choraram em meu escritório é maior do que os que se dizem felizes. A vida acadêmica não precisa ser essa máquina trituradora de pressões múltiplas. Ela pode ser simples, mas isso só acontece quando abandonamos o mito da genialidade, cortamos as seitas acadêmicas e construímos alianças colaborativas.
Nós mesmos criamos a nossa trajetória. Em um mundo em que invejas andam às soltas em um sistema de aparências, é preciso acreditar na honestidade e na seriedade que reside em nossas pesquisas.
Transformação
Tudo depende em quem queremos nos espelhar. A perversidade dos pequenos poderes é apenas uma parte da história. Minha própria trajetória como aluna foi marcada por orientadoras e orientadores generosos que me deram liberdade única e nunca me pediram nada em troca.
Assim como conheci muitos colegas que se tornaram pessoas amargas (e eternamente em busca da fama entre meia dúzia), também tive muitos colegas que hoje possuem uma atitude generosa, engajada e encorajadora em relação aos seus alunos.
Vaidade pessoal, casos de fraude em concursos e seleções de mestrado e doutorado são apenas uma parte da história da academia brasileira. Tem outra parte que versa sobre criatividade e liberdade que nenhum outro lugar do mundo tem igual. E essa criatividade, somada à colaboração, que precisa ser explorada, e não podada.
Hoje, o Brasil tem um dos cenários mais animadores do mundo. Há uma nova geração de cotistas ou bolsistas Prouni e Fies, que veem a universidade com olhos críticos, que desafiam a supremacia das camadas médias brancas que se perpetuavam nas universidades e desconstroem os paradigmas da meritocracia.
Soma-se a isso o frescor político dos corredores das universidades no pós-junho e o movimento feminista que só cresce. Uma geração questionadora da autoridade, cansada dos velhos paradigmas. É para esta geração que eu deixo um apelo: não troquem o sonho de mudar o mundo pela pasta de couro em cima do muro.

Um menino diz que te ama. Um homem diz que te ama e te prova com suas ações.
Um menino faz você se sentir como se não fosse boa o suficiente. Um homem te faz querer ser uma pessoa melhor, porque tem um respeito genuíno por ele.
Um menino é possessivo. Um homem é protetor.
Um menino faz você sentir que precisa minimizar suas realizações, para não o constranger. Um homem não é ameaçado por seu sucesso, mas orgulhoso e inspirado por ele.
Um menino se preocupa com o seu próprio prazer. Um homem não pode apreciar a menos que você também possa.
Um menino subestima você. Um homem não tem medo de desafiá-la, porque sabe do que você é capaz.
Um menino vai estar interessado em sua vida enquanto puder obter algo dela. Um homem vai estar interessado em sua vida porque se preocupa com você e quer te entender mais profundamente como pessoa.
Um menino é ameaçado pela ideia de feminismo, convencido de que ser feminista o classifica como irritado, agressivo, e que odeia homens. Um homem entende que o feminismo é simplesmente a crença de que homens e mulheres são iguais.
Um menino acha que ele deve prover para você. Um homem sabe que um relacionamento significa que vocês dois estão provendo igualmente um para o outro.
Um menino engarrafa tudo, e dá uma bronca por conta da raiva ou outras emoções reprimidas. Um homem admite quando precisa de você e quando precisa falar, mesmo que o torne desconfortável.
Um menino está sempre pensando se poderia ou não fazer melhor. Um homem sabe quando tem algo bom em sua frente dele e nunca o toma como concedido.
Um menino dá desculpas. Um homem admite quando está errado, e sempre faz tudo que pode para corrigi-lo.
Um menino ou é carente ou impossível de segurar. Um homem sempre faz tempo para você, e ao mesmo tempo, certifica-se de ter uma vida fora do seu relacionamento.
Um menino só está interessado em beleza. Um homem aprecia sua beleza física, mas é mais atraído por sua personalidade.
Um menino acha que já sabe tudo. Um homem anda por aí com a mentalidade de que há sempre algo novo para aprender com todos que encontra.
Um menino se concentra no que ele quer agora, agora, agora. Um homem vive no agora, mas está sempre planejando para o futuro.
Um menino vai passar um tempo com os seus amigos – se gostar deles. Um homem vai passar tempo com seus amigos independentemente de seus sentimentos em relação a eles, porque se eles são importantes para você, são importantes para ele.
Um menino toma decisões precipitadas com base em seus desejos imediatos. Um homem entende o conceito de ser racional e ter prioridades.
Um menino precisa de você por causa de sua frágil autoestima. Um homem precisa de você, porque ele acredita que sua vida é melhor com você nela.
Um menino está preocupado com o que seus amigos acham sobre você. Um homem não se preocupa com o que as outras pessoas pensam, desde que vocês estejam felizes juntos.
Um menino está pronto para fazer qualquer coisa para conseguir o que quer. Um homem está pronto para amar sem hesitação.

Traduzido pela equipe de O Segredo

Há dez anos, Portugal despertava para a crua realidade da intolerância e do ódio contra lésbicas, gays, bissxuais, travestis e transexuais. O assassinato de uma transexual no Porto chocava a sociedade. Agredida e violada sistematicamente por 14 adolescentes durante dias, seu corpo foi encontrado no fundo de um poço de 15 metros. A vítima: Gisberta Salce Junior, uma imigrante brasileira de 45 anos.


A brasileira que virou símbolo LGBT e cujo assassinato levou a novas leis em Portugal
Foto: Arquivo I Panteras Rosa
Brasileira Gisberta foi morta em 2006 por um grupo de 14 adolescentes entre 12 e 16 anos.

Gisberta transformou-se em símbolo da discriminação múltipla: imigrante ilegal, transexual, prostituta, sem-teto e soropositiva. Seu assassinato causou um profundo impacto na sociedade portuguesa. Gerou o debate sobre a transfobia, mudou o olhar para as questões da igualdade de gênero. Abriu o caminho para transformações que garantiriam maior inclusão e direitos LGBT.

"O assassinato da Gisberta estabeleceu um antes e um depois em Portugal. Mudou a maneira como a sociedade olhava para as mulheres trans, mudou o modo como a imprensa cobria as transexuais, estimulou a criação de leis que tratassem da igualdade de gênero", afirma à BBC Brasil o ativista português Sérgio Vitorino, do movimento social Panteras Rosa.

Nos anos que se seguiram à morte da brasileira, em 22 de fevereiro de 2006, o legislativo português criou uma série de leis voltadas para a igualdade de gêneros, com o objetivo de garantir a pessoas trans maior acesso à Justiça, à educação e ao emprego. Além disso, foi aprovada a concessão de asilo a transexuais estrangeiros em risco de perseguição.

"Portugal transformou-se num dos países mais avançados do mundo no tratamento à igualdade de gênero. As leis criadas nos últimos 10 anos possibilitaram que um número grande de homens e mulheres trans conseguissem se integrar à sociedade", explica Nuno Pinto, investigador do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa e diretor da associação lusa Ilga (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgênero).

Medo da violência
Gisberta nasceu em São Paulo, caçula de uma família com oito filhos. Ainda na infância dava sinais de que estava num corpo que não correspondia à sua sexualidade. Após a morte do pai, confessou à família, ainda na adolescência, que gostaria de ser mulher. Aos 18 anos, com medo da crescente violência contra transexuais na capital paulista, optou por se mudar para a França.


A brasileira que virou símbolo LGBT e cujo assassinato levou a novas leis em Portugal
Foto: Arquivo I Panteras Rosa
Passeatas e manifestações públicas lembram o assassinato da brasileira durante os anos.

Mais tarde, já depois de realizar tratamento hormonal e fazer implante de silicone nos seios, Gisberta mudou-se para o Porto, no Norte de Portugal. Rapidamente enturmou-se na cena LGBT local. Fazia apresentações em bares e boates. A vida como artista, contudo, não gerava dinheiro suficiente para pagar as contas. Como complemento de renda, recorreu à prostituição.

A imigrante brasileira possuía visto de residência e adaptou-se à vida em Portugal. Os contatos com a família eram raros. Com o passar dos anos, no entanto, sua situação começou a se deteriorar.

Os sinais no corpo de que era portadora do vírus HIV impossibilitaram a brasileira de se sustentar pela prostituição. O nome masculino e o corpo de mulher impossibilitavam que obtivesse trabalho. Desempregada, não conseguiu renovar o visto de residência e passou ao status de imigrante ilegal. Sem dinheiro para pagar as contas, teve de deixar o apartamento em que morava no Porto.

Depois de passar por alguns hospitais para tratar de doenças provocadas pelo vírus do HIV, encontrou abrigo em um prédio em obras abandonado no Porto. No fim de dezembro de 2005, três adolescentes começaram a frequentar o edifício para pichar suas paredes. Um deles reconheceu Gisberta, que havia improvisado um barracão com seus pertences no local, agora seu lar.

Filho de uma mulher que se prostituía, Fernando conheceu Gisberta quando tinha a idade de 6 anos e ficava aos cuidados de uma babá que amparava crianças nessa situação. A brasileira era conhecida dessa babá e passou a relacionar-se com a mãe do garoto.

Fernando e seus dois amigos frequentavam a escola e uma instituição administrada pela Igreja Católica chamada Oficina de São José. As visitas passaram a ser regulares, e Gisberta confidenciou que estava debilitada pelo HIV e o consumo de drogas 'pesadas', em especial cocaína. Comovidos, eles passaram a levar comida para ela e chegaram até mesmo a cozinhar no prédio abandonado, segundo consta no processo que tratou do crime.

Algum tempo depois, os garotos contaram a colegas sobre Gisberta, que descreveram como "um homem que 'tinha mamas' e 'parecia mesmo uma mulher'". As visitas, que até então eram solidárias, transformaram-se num incompreensível ato de violência extrema e gratuita. Os 14 jovens – entre os 12 e os 16 anos – dividiram-se em grupos que revezavam-se para espancar, violentar e humilhar a brasileira.

Durante três dias, Gisberta foi agredida a pedradas, pauladas e chutes. Foi sexualmente torturada com o uso de pedaços de madeira e teve o corpo queimado com cigarros. Entre 21 e 22 de fevereiro, os jovens voltaram ao prédio abandonado. A brasileira não respondia a qualquer estímulo. Ao julgarem que estava morta, planejaram como desaparecer com o corpo.

Primeiro pensaram em queimá-lo, mas desistiram por medo de que a fumaça atraísse a atenção de seguranças que trabalhavam num parque próximo. Depois imaginaram enterrá-lo, mas não tinham as ferramentas necessárias. Então, optaram por atirá-la ao fosso do prédio, que estava cheio de água. Gisberta estava inconsciente, mas ainda viva. Morreu afogada.

'Brincadeira de mau gosto'
O corpo de Gisberta foi descoberto no mesmo dia. Um dos adolescentes confessou o crime a uma professora da escola em que estudava. No dia seguinte, os jornais tratavam do assassinato da "travesti" e da "imigrante sem-teto" no Porto.

O caso ganhou proporções inéditas na mídia e na sociedade portuguesas nos meses seguintes. Associações de defesa dos direitos LGBT organizaram manifestações pelo país e fizeram vigília em frente ao prédio onde Gisberta fora assassinada. A imprensa acompanhava todos os desdobramentos do caso, enquanto lutava contra os próprios estereótipos sobre transexuais.

"No começo, para a imprensa a Gis era 'o Gisberto', um trans soropositivo morto. Não havia fotos dela nas reportagens, apenas os estereótipos. Nós fizemos uma campanha, conseguimos fotos e distribuímos para os jornais e TVs. Foi assim que ela ganhou uma cara, foi humanizada e passou a ser tratada melhor com o passar dos meses", conta Sérgio Vitorino.

A autópsia do corpo da brasileira confirmou lesões na cabeça, pescoço, membros inferiores e superiores, laringe e traqueia, abdômen, intestinos e rins. Além disso, identificou múltiplas equimoses, infiltrações hemorrágicas, escoriações e infiltrações sanguíneas. Mas a causa mortis foi afogamento, o que ajudou os acusados.

Os menores, que antes tinham sido acusados de homicídio qualificado, tiveram a acusação alterada para ofensas corporais qualificadas. O único que poderia ser julgado como adulto foi o mais velho, que tinha 16 anos - mas o restante do grupo testemunhou que ele apenas assistiu às agressões, mas não chegou a participar.

Ele, então, foi condenado a oito meses por omissão de auxílio, ou seja, por não ter ajudado a uma pessoa que corria risco de morte. Entre julho e setembro de 2007, apenas um ano e meio após o assassinato, todos estavam livres.

"O juiz disse, textualmente, que o assassinato foi 'uma brincadeira de mau gosto de crianças que fugiu ao controle'. Gisberta foi amarrada em um pedaço de madeira e atirada ao fosso, mas o julgamento, no fim, determinou que quem a matou foi a água, e não as pessoas que a atiraram lá", recorda Vitorino.

A frustração com o resultado do julgamento mobilizou os movimentos em defesa da igualdade de gênero. Leis de proteção a homens e mulheres trans foram aprovadas. Desde 2011, para que uma pessoa consiga mudar o nome e gênero em seus documentos basta um parecer médico.

No Brasil, a cirurgia de readequação sexual não é necessária, mas a alteração não é tão simples. É preciso ter laudo psiquiatra e psicológico, além do testemunho de amigos de que a pessoa é tratada pelo nome que escolheu.

"Nos últimos anos, Portugal passou a enxergar os transexuais com um olhar humano. Quando vemos uma notícia sobre homens e mulheres trans na mídia, na maior parte dos casos é sob a perspectiva dos direitos humanos. Ainda existe um longo caminho a percorrer em muitos aspectos, mas houve uma evolução notável nessa última década", avalia Nuno Pinto.

"Claro que o caso Gisberta tem um papel de destaque nessas mudanças. A história dela está presente no fortalecimento da causa LBGT em Portugal, no amadurecimento da mídia, nas leis que foram aprovadas. Houve um antes e um depois da Gisberta", avalia Vitorino.

A história da brasileira foi transformada em peça de teatro, em documentário e na canção Balada de Gisberta, composta pelo português Pedro Abrunhosa e interpretada por Maria Bethânia.

Seu corpo está enterrado em São Paulo. Mas sua presença ainda é marcante em Portugal, onde se transformou numa bandeira para a igualdade de gênero e os direitos humanos.

Visto: Gay1

ana paula bbb
A mineira Ana Paula Renault tem 34 anos. Formada em Jornalismo, nunca exerceu a profissão ou mesmo qualquer outra atividade profissional na vida e, como apresentada pelo teaser da mais nova edição do Big Brother Brasil, se orgulha de ser suportada pelo pai.
Logo no início do programa, Ana Paula causou escândalo ao se assumir machista. “Eu era muito feminista. Mas acho que o mundo tem que ser machista. Acho que a mulher pode levar o café da manhã na cama, e o homem fazer seu papel de provedor. A mulher está muito pra frente e os homens estão ficando cada vez mais bobos. Não estou atrás de direitos iguais. De jeito nenhum”, disse numa conversa com Harumi.
Com o passar das semanas, no entanto, as posições controversas da participante passaram a jogar a seu favor. Se, por um lado, a presença de Ana Paula na casa tem se tornado cada vez mais insustentável graças aos incontáveis barracos, por outro o público já deu sinais o suficiente de que não vai abrir mão dela tão facilmente como gostariam seus colegas, como demonstraram todas as experiências em que a sua popularidade foi posta à prova.
Mas há algo de previsível nesta imprevisibilidade explosiva que tanto cativou o público do reality global. Ana Paula e o Big Brother Brasil não estão descolados do tempo em que vivem e o reproduzem, assim como são resultado dele.
Em O Declínio do Homem Público: As Tiranias da Intimidade, Richard Sennett demonstra como a relação do homem com o espaço público foi alterada ao longo dos tempos, especialmente a partir da segunda metade do século XX, quando, de acordo com o sociólogo, triunfaram as “tiranias da intimidade”.
No século XIX, a vida privada era considerada um refúgio idealizado, um mundo exclusivo dotado de valor mais elevado que o domínio público. É por isso que relações extraconjugais na era vitoriana aconteciam mais publicamente do que se imagina. No limbo moral do “lado de fora”, o peso da traição era outro.
Com a emergência da sociedade do espetáculo, nas últimas décadas, a superioridade moral da vida privada se desdobrou numa verdadeira avalanche de intimidade na esfera pública. E a cultura das celebridades é mais uma evidência disso. Se boa parte deste mercado gira em torno de suas atividades profissionais, outra, por sua vez, sobrevive em função de sua privacidade, tornando cada vez mais tênue a fronteira entre público e privado.
Quer dizer, para as celebridades do show business, a exposição das suas preferências gastronômicas ou dramas em relacionamentos amorosos é tão importante quanto a produção do último disco ou a gravação da última novela. Sabe-se que muitas figuras públicas mantêm, elas próprias, contato com fotógrafos paparazzi para combinar “flagras” em restaurantes e baladas. Aqui, os holofotes não interessam somente à mídia que faz as imagens circularem o mundo, mas à própria figura exposta.
Isso acontece, em grande medida, porque as máscaras da vida pública já não interessam a espectadores imersos no voyeurismo da contemporaneidade. Neste sentido, ganham força os valores de sinceridade e autenticidade. E é deste paradigma que se retroalimenta o Big Brother Brasil. No fim das contas, o que está em jogo no reality é a capacidade de demonstrar ao público o quão verdadeiro se é dentro dele. Não por acaso, os seus vencedores são jogadores que, ao menos nas aparências, abdicaram da condição de jogadores para libertar a real persona escondida pelo teatro do jogo.
Com este objetivo, suspeita-se que participantes tenham simulado sotaques e inventado trajetórias de vida que soassem mais simples, orgânicas, como é o caso do vencedor da última edição, Cézar Lima. Para ganhar o Big Brother, é preciso, acima de tudo, fingir não fingir. Em geral, explosões de temperamento no programa produzem efeitos contrários aos que produziriam convencionalmente na polidez da vida pública. Ou seja, em vez de repudiadas, são abraçadas pelo público espectador como certificados de autenticidade.
Ana Paula deve saber disso. Assim que a conversa com Bial acaba, costuma partir armada até os dentes para cima dos desafetos. Ao rival Renan, disse certa feita: “você é feio, seu dente é falso e seu cabelo é horroroso”. De repente, as críticas por ser “patricinha” foram rebatidas pelo orgulho de uma personalidade destemida. “E daí? Isso é da minha vida”, ela costuma responder. Diante da sensação cada vez mais intensa de que vive-se numa “ditadura do politicamente correto”, usa a percepção egocêntrica do mundo como um trunfo legitimador. “Pelo menos eu sou verdadeira, não sou atriz. […] Dente de porcelana”, disparou contra Renan logo após a formação do último paredão, no domingo.
Ao pedir os votos do público para ficar no programa, Ana Paula assumiu as trapalhadas. Disse que costuma “meter os pés pelas mãos”, mas que isso é resultado de quem ela é e que aquilo não se trata de uma novela. Numa ocasião, chegou a dizer que usaria o dinheiro do prêmio para fazer uma cirurgia plástica. Há quem considere fútil. Mas há, sobretudo, quem considere sincero. Diminuída, a adversária de paredão Juliana disse que prefere sair do que permanecer na casa com Ana Paula e que também é verdadeira, mas de um jeito “diferente”. É como se assumisse a impossibilidade de superar o bloqueio do superego que se vê na mineira. “Ela é louca”, costuma dizer com frequência.
Nas redes sociais, verdadeiras legiões têm se mobilizado, espontaneamente, em favor de Ana Paula. A grande maioria dos fãs repete, à exaustão, que a jornalista é um contraponto à falsidade no programa. E, na velocidade da luz, se reproduzem nas redes sociais os memes com ofensas ditas por ela a outros participantes, sobretudo Renan, o “dente de porcelana”, e reações espontâneas de alegria e ódio transformadas em gif.
Ana Paula pode não vencer o BBB 16. Pode até não passar pelo paredão de hoje à noite. Mas é impossível negar o seu sucesso estrondoso entre um público que vive sob as tiranias da intimidade. E que ele, no fim das contas, é tão previsível quanto a sua imprevisibilidade.

* Murilo Cleto é historiador e mestre em Cultura e Sociedade. Atua como professor no Colégio Objetivo e no curso de Licenciatura em História das Faculdades Integradas de Itararé

Visto: Forum

Fui ontem assistir ao filme indicado ao Oscar, A garota dinamarquesa, uma história linda sobre a primeira trans a fazer cirurgia de mudança de sexo de que se tem história. Vários adjetivos podem ser usados para descrever o longa, inúmeros, mas, se tem uma coisa que o filme não é, é cômico. Claro que não é cômico. Se até hoje as questões de transexualidade e de identidade de gênero são debatidas e alvo de comentários carregados de preconceito e ignorância, imagina como eram as coisas na década de 1930.
A personagem passa por diversos problemas tanto de aceitação quanto de tratamentos mirabolantes, que vão de radiação a internação em clínica psiquiátrica, passando por cirurgia neurológica onde o médico literalmente fala que vai fazer perfurações no crânio da personagem para que ela seja “curada”. E sim, no cinema — onde alguns acham que estão protegidos, pelo escurinho, do “politicamente correto chato que acabou com toda a graça da humanidade” — várias pessoas simplesmente riam.
Uma das cenas mais grotescas que já vi na vida: no filme, a personagem tremia de medo e pavor enquanto um dito neurologista avisava que faria cirurgias em seu cérebro perfurando seu crânio para que ela voltasse a ser homem. E diversas pessoas rindo. Gargalhando. E não foi só nesse momento. Ouvi risos em diversas cenas que não tinham nada de engraçado. Há momentos divertidos no filme, sim. Mas não tantos. Não quando ela apanha na rua ao ser perseguida por dois homens que a insultavam gratuitamente (sim, também riram nessa parte).
Os risos me lembraram de uma situação parecida que vi também recentemente em uma sala de cinema. Após assistir a Que horas ela volta?, filme que conta a história de uma empregada doméstica, que é diminuída constantemente por sua patroa e nem se dá conta disso, estrelado por Regina Casé, ouvi duas pessoas conversando e dizendo uma à outra como o filme era “hilário”. Que horas ela volta? não é um filme de comédia. Não mesmo. E, mesmo assim, ao ver uma empregada, que – ironicamente – provavelmente nunca tinha ido a uma sala de cinema na vida, na telona passando por perrengues diversos, várias pessoas gargalhavam.
Que horas ela volta? não é um filme de comédia. A garota dinamarquesa, muito menos. Mas deve ser realmente difícil assistir a um filme que mostra justamente o lado que não se quer enxergar, que mostra o que preferem que esteja bem escondido e à margem de tudo e de todos. Causa desconforto ver uma empregada entender, com sua filha, que o lugar dela não é na submissão à patroa. Causa desconforto ver um homem de maquiagem vestindo meia-calça e se sentindo inteiro por isso. Inteiro não. Inteira.
Chega a ser incrível como a ignorância transforma o desconforto de pessoas de mente pequena em graça. A mente pequena precisa ridicularizar aquilo com o que não se sente à vontade para que consiga engoli-lo mais facilmente.O ridículo sendo uma espécie de saliva que transforma a coisa bruta em algo deglutível.
Mas ó: eu aplaudo de pé iniciativas como esses dois filmes citados aqui. Tá pouco de desconforto nessa sociedade cheia de preconceitos enraizados, sejam eles de classe, de gênero, de orientação sexual, de cor, de tudo. Causa mais desconforto que, mesmo me estressando com um ou outro que teima em ridicularizar e rir do que não tem a menor graça, é assim que a gente vai ganhando espaço no mundo e derrubando esse tipo de preconceito!

21 fevereiro 2016



Martha Medeiros é um famosa cronista brasileira. De todos os seus escritos, a crônica chamada “Não Pode Tocar” parece a mais adequada à discussão a seguir. O texto fala da dificuldade que se tem de tratar de determinados temas, sem a proteção assegurada pelo reducionismo eufêmico, do qual muitas questões acabam não sendo devidamente problematizadas. Nele, dentre muitas passagens, destaca-se: “Não tocarei pra não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos séculos”. Essa é, sem dúvidas, a mais apropriada para a ocasião envolvendo a polêmica música da diva Pop americana Beyoncé, Formation. Num claro discurso pró racial, a canção evidencia outro trecho da crônica de Medeiros “Não se pode tocar no sagrado de cada um”. Essa violação foi realizada pela cantora ao trazer à ribalta o racismo que vitima seus condescendentes americanos, e que resultou em uma repercussão negativa ao redor do mundo contra a cantora, num contexto em que artistas negros, ou integrantes de outras minorias, dificilmente se manifestam politicamente em prol dos seus grupos, de forma tão escancarada como foi feito por ela. Mesmo que tardiamente, a posição de Beyoncé resgata conflitos sociais ligados a alteridade, bem como a constatação de que o racismo está longe de ser superado.

Em primeira estância, é preciso destacar a falta de posicionamento que há em torno das temáticas minoritárias: negros, mulheres, gays, índios, deficientes físicos, etc., não veem suas pautas sendo devidamente representadas pela grande mídia internacional. Parece haver um acordo tácito, silencioso e corruptivo, entre diversas esferas sociais, que não mergulham nas águas abissais do descaso, para resgatar esses grupos da latente negligência a que foram submetidos, e que os leva à morte. Quando alguém decide se colocar para reverter tais realidades, vem ao jugo popular o rótulo de subversivo, adjetificação que por si só denota um perigo para a sociedade, sobretudo quando esta é despolitizada e desmilitarizada. Coube a Beyoncé tal emblema, visto que, para muitos, ela transgrediu o intocado, o que na crônica de Medeiros não se podia macular. Beyoncé não apenas maculou, como também pintou de preto, literalmente falando, a visão daqueles que fingiam não acreditar na sobrevivência do racismo americano no mundo, mesmo tendo diversos ícones importantes mundiais, inclusive a própria cantora, visivelmente negros. Para estes, o talento, a performance, a criatividade, a pirotecnia, tudo era válido desde que o artista ali presente não se considerasse minoria, levantando bandeiras das quais debates fossem inevitavelmente iniciados.

É como se dissessem assim: “eu gosto do seu trabalho, mas não quero saber de suas demandas”. Ora, os fãs alucinados, que discutem nas redes sociais acerca de quem é a melhor diva pop do momento, os quais endeusavam principalmente a figura de Beyoncé, não deveriam ter ficados contra a cantora. Isto porque, quem de fato admira o trabalho de determinado artista, é porque se identifica com suas causas, vestindo-as como mantos sagrados a serem perpetrados pela sociedade. Quando isso não ocorre, é provável que o modismo hipnótico da indústria cultural tenha levado legiões de pseudos fãs a adorarem um ídolo sem nem sequer conhecer suas lutas pessoais e origens. Os amantes de Beyoncé, que não são tão fissurados na cantora como dizem, parecem corroborar para esse fato. Por essa razão Formation sacode as convicções em torno do negro, de que como ele é, vive e sobrevive numa sociedade que o excluí deliberadamente. No vídeo, ancestralidade, repressão policial, legado, reivindicações, lutas, religião, violência e esquecimento se fundem para protestar contra o mundo que prefere acreditar numa diva talentosa branca, no caso aloirada, do que encarar os fatos de que a cantora mais popular da atualidade ser negra. Da mesma forma que os saudosos Mickael Jackson e Whitney Houston também o foram e deixaram os seus respectivos legados.

É inegável a jogada de marketing em torno de toda essa polêmica, uma vez que é sabido que a indústria do entretenimento sobrevive de polêmicas para manter artistas em evidência. Embora seja impossível confirmar tal suposição, isso não deslegitima a sua importância para a questão do emponderamento negro da sociedade, sobretudo na brasileira, onde falar de racismo, suas implicações e lacunas sociais, ainda é um tema nebuloso. Por isso, quando um artista do porte de Beyoncé trata com alteridade essa temática, ela nos repassa a seguinte mensagem: “Ei, você? Você que sempre curtiu minhas músicas. Você que adora a minha voz. Repete as minhas coreografias em casa. Você que copiou o meu penteado. Gostou das roupas que uso. Você que me viu em preto e branco cantando “Single Ladies”, ou cinzenta em “Halo”. Você sabia que eu sou negra?” E outra pergunta se impõe após isso: o que mais importa para a sociedade é ter alguém talentoso e com potencial para fazer uma carreira brilhante ou saber qual é a casta social desfavorecida que esse artista faz parte, defende ou pretende defender, e se isso interfere negativamente na qualidade de sua arte? Na crônica de Martha Medeiros, há outra frase pertinente a esse contexto: “É proibido tocar no sagrado de cada um”.

Porém, Beyoncé preferiu cometer o sacrilégio de tocar no proibido. A subversão aqui foi deixar claro para todo o planeta a necessidade de se enxergar a minoria dentro de si e no outrem também. O sentimento de alteridade que falta em muitos na sociedade, americana e brasileira. Por essa razão, Formation toca na necessidade das pessoas de se enxergarem como negros, independentemente da cor ou textura do cabelo, de classe social ou religião, já que há negros que não se veem parte integrantes desse nicho. Se isso veio à tona, é porque infelizmente há lacunas a serem preenchidas por uma sociedade claramente embranquecida pela mídia e, principalmente, pela indústria da moda. Além disso, o negro não encontra espaço para difundir sua ancestralidade religiosa, sem que não haja alguém disposto a caracterizar seus cultos afrodescendentes como satânicos. A demonização de suas tradições serve mais uma vez para obscurecer a presença desse grupo na sociedade. Tolera-se, apenas, aquele negro adequado ao sistema vigente, que não invade espaços já delimitados pela soberania branca, a qual mesmo silenciosa, dita suas regras. O que Beyoncé fez, semelhante a tantos outros negros, foi cruzar a linha amarela, aquela que proibia o avanço da comunicação, do diálogo para lá de pertinente sobre quem é privilegiado socialmente e quem não é. Aliás, discussão deveras adiada, pois não há um esforço coletivo para entender a realidade do negro no mundo.

Baseado nisso, a música em voga incomodou muita gente, porque não economizou discurso para retratar algo que já era conhecido por muitos, o racismo. Preconceito que excluí, escraviza e mata, mesmo após as leis abolicionistas terem sido sancionadas ao redor do globo. A canção de Beyoncé foi criticada por autoridades americanas, por atacar claramente a polícia de lá; fãs deixaram de ser fãs após a divulgação do vídeo clipe Formation; essas entre outras censuras foram direcionadas a tal artista apenas porque ela usou sua imagem para fazer um levante, mais que emergencial, a favor de um grupo aplaudido pela sua arte, porém vaiado, ou no caso dela boicotado, todas as vezes que a sua cor, herança e tradições são violados. Esse antagonismo evidente só ressurge quando a defesa do ponto de vista é clara, contundente e irrefutável. Porém, nem todos os artistas/celebridades utilizam da sua imagem em prol de lutas como essas, temendo perderem os créditos conquistados ao longo de suas carreiras. O nosso internacionalmente famoso Neymar é um exemplo disso. Recentemente, o jogador afirmou que não se considerava negro e, por isso, talvez acredite ser imune aos preconceitos que vitimizam tal grupo. Pelé, outra celebridade da bola, também fez um discurso semelhante anos atrás, porém, em ambos a repercussão negativa não chegou nem de longe ao que Beyoncé vem sofrendo.

Esse é um dos lados perversos do racismo: introjetar a ideia de que não se autodenominar negro vai minimizar o preconceito entre as pessoas. É a tentativa mais ingênua daqueles que, entre lutar pelas causas de um movimento, preferem a falsa ideia de que não fazer parte dele. Essa ausência de senso militante não se restringe ao segmento negro. Muitas mulheres, eivadas de um machismo social, atacam outras vítimas da cultura do estupro, do raso debate entorno do aborto ou da postura sexual de mulheres mais resolvidas. Muitos gays, pressionados pelo mesmo machismo, preferem segregar outros homossexuais mais afeminados, travestis, transexuais, acreditando que o ideal é não parecer gay. Da mesma forma, há negros, e muitos, contrários às cotas raciais, geralmente repetindo as mesmas retóricas brancas sem uma análise aprofundada da condição negra na sociedade; são também preconceituosos com a religião/cultura/tradições desse grupo e, infelizmente, muitos nem se veem como negros, mesmo que estes sejam tão visivelmente afrodescendentes quanto Neymar e Pelé. A mensagem da música Formation trouxe a esse contexto a necessidade dos indivíduos se verem como minorias e nem por isso se anularem.

Foi o que Viola Davis, ao discursar no Emmy 2015, fez: não se anular diante do racismo, refletir sobre ele num espaço nitidamente segregacionista (Hollywood) e mesmo assim permanecer firme diante dos seus ideais. Além dela, Mather Luther King, Nelson Mandela, Harriet Tubman, Castro Alves, e agora Beyoncé, guardadas as devidas proporções, deram suas caras a tapa para a sociedade, ao dialogar a respeito desse tema, inquietando aqueles que praticam a política da boa vizinha, da qual o negro pode existir, só não pode se manifestar a favor dos seus direitos. Felizmente, há sempre alguém que resgata esse tema sempre que a problemática racial ressurge para deixar claro o quanto tal preconceito é latente no seio das relações sociais. Geralmente, ele se manifesta em ações contributivas ao senso comum do qual o negro é excluído, vitimado e marginalizado. Poucos são, e foram, as manifestações em prol de um levante, que alheio ao espetáculo da indústria de consumo, fosse capaz de capitular um debate maduro, producente, sobre as demandas vividas pelos negros. Talvez tenha sido essa a atitude da diva Pop Beyoncé: trazer à luz as cicatrizes negras, herdadas da escravidão, que são maquiadas pelo conformismo, pela conduta apolítica da sociedade, pela falta de conhecimento e reconhecimento de causa, ou ainda a ausência de um discurso de alteridade, este que possivelmente foi o elemento incendiário da polêmica envolta no descoberta cômica da cor daquela cantora.

“Todas as relações do mundo possuem sua prateleira de cristais”, enfatiza Martha Medeiros. Pelo visto, Beyoncé estilhaçou a dela ao servir de espelho para um grupo ainda esquecido, hostilizado, que vive à margem social, tendo toda a sua carga antropológica obscurecida por um sistema discriminatório quanto aqueles que devem ou não existir. A música dela mexeu com as raízes do preconceito desse tema, que parece superado, mas revive nas práticas sociais mais cotidianas. Por isso que alguns opositores classificaram a canção como de péssima qualidade, tanto na melodia e, sobretudo na letra. “Palavras incomodam o suficiente”, é uma das passagens da crônica de Medeiros. Certamente, o discurso de Formation se enquadra nisso, porque é mais fácil para quem discorda da música desqualificar a sua letra, do que analisar as metáforas dela e sua representatividade em uma porção social considerável nitidamente mal representada. E o incomodo resultou em mais debate, mais reflexão, mas também em muita mais preconceito, perseguição e, no caso de cantora, até boicote. Analisando tais polos, é inegável os pontos positivos em torno dessa polêmica, sobretudo a sátira feita na internet num vídeo bem extrovertido, mas crítico, do qual ironiza inteligentemente a descoberta do mundo, da real cor de Beyoncé. A cantora negra de cabelos loiros parece não se abalar com as críticas que recebeu. Isso é bom, pois não se deve titubear quando se defende um ideal. Pelo contrário, ideais precisam ser herdados, copiados, perpetuados, principalmente quando se referem a lutas justas, pendentes na história e aparentemente insolucionáveis.

”Beyoncé, não pode tocar nesse assunto!”. Essa também foi a mensagem implícita proferida por aqueles contrários ao discurso da música Formation. Porém, a diva americana ultrapassou a linha amarela, saiu da sua zona de conforto, ousou, transgrediu, subverteu, tudo isso numa era onde a minoria só é vista na invisibilidade. No período do conformismo tolerável, que determina a ordem das coisas, assim como a posição de todos nas camadas sociais, o permitível é não ser. Empreende-se disso todas aquelas pessoas anuladas pelo sistema, obrigadas a se adequar a realidade hegemônica da sociedade, para fazer parte desta sem muita barulho, uma vez que o emudecimento do indivíduo garante aos poderes supremos (mídia, política, religião, etc.) o controle sobre ele. Disso, entende-se que a mais nova polêmica racial jogou luz ao obscurantismo em torno desse tema, semelhante ao que aconteceu por aqui com personalidades brasileiras como Taís Araújo, Lázaro Ramos e a Apresentadora do Tempo, Maria Júlia Coutinho (Majú). A cada novo caso, embora aja muita boçalidade e falta de empatia, há grandes avanços para a formação de uma sociedade, que se não seja capaz de eliminar os próprios preconceitos, que pelo menos seja capaz de reconhecer a existência deles e encontre artifícios para corrigi-los. Em contrapartida, para que isso ocorra, novas personalidades devem copiar o exemplo de Beyoncé, Jean Willys, Doroth Stang, Chico Mendes, e dentre outros, anônimos e notáveis, os quais dedicam as suas vidas, direta ou indiretamente para violar o inviolável, transpor o intransponível, desconstruir para reconstruir uma sociedade onde todos possam enxergar sua existência e, a partir disso, a do outro.


“Só não vê o que o outro é, quando o que não se vê é aquilo que não se deseja para si”.